SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alceu Valença nunca gostou muito de comemorar aniversário, mas sempre amou estar no palco. Sua próxima turnê, “80 Girassóis”, que celebra suas oito décadas de vida, de certa forma junta as duas coisas.

“É mil vezes melhor fazer show que fazer aniversário”, ele afirma, no camarim do Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, onde, nesta terça (7), fez um show curto para imprensa e convidados para anunciar a excursão. “A turnê é em homenagem ao aniversário, mas não vai ser no dia do aniversário.”

Alceu vai passar por dez capitais do país entre março e junho do ano que vem, sendo que completa 80 anos apenas em 1º de julho. Os ingressos estão em pré-venda exclusiva para clientes Banco do Brasil, e as vendas gerais abrem na sexta (10).

Os shows terão cerca de duas horas e vão abranger todas as facetas do cantor no que ele chama de “roteiro cinematográfico”, em que a ordem das músicas acompanha histórias de sua vida. As canções também serão divididas por blocos conceituais por gênero ou tema das composições, partindo dos anos 1970, do frevo ao baião, incluindo sucessos como “Tropicana” e “Girassol”.

Mas não é porque não gosta de celebrar a própria idade que Alceu ignore a passagem do tempo. Diz que hoje se sente como se tivesse 18 anos, e também que foi um dos compositores que mais trataram do tempo em suas canções, citando versos como “teu nome é tempo vento vendaval”, de “Cavalo de Pau”, e declamando “Na Embolada do Tempo”.

“Não sou maior nem melhor do que ninguém”, diz. “Agora, nunca vi ninguém falar tanto do tempo quanto eu. Se você olhar dentro das minhas letras, rapaz, é o tempo todo referência. Até o meu filme [‘A Luneta do Tempo’] também.”

Alceu embola o tempo desde que cantou que estava “montado no futuro indicativo” em “Papagaio do Futuro”, canção que defendeu com Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro no Festival Internacional da Canção de 1972. Foi a introdução do pernambucano de São Bento do Una ao universo da música, do qual não saiu mais.

Ligado aos aboios, repentes e emboladas de sua terra, Alceu absorveu o frevo e o maracatu logo quando se mudou para Recife, na adolescência. De Luiz Gonzaga a Capiba, ele fez sua base musical, que afirma vir da África, dos povos originários e da Península Ibérica, sem influência da cultura anglo-saxã.

“Fui um menino travesso, meio maluco, ouvi aboios e toadas cantados pelos vaqueiros. Ouvi sanfona de oito baixos, violeiros, cordelistas, coqueiros de embolada, e no alto-falante ouvia a voz de Luiz Gonzaga. Agora, depois, eu também soube o que é o martelo alagoano. Se quiser o martelo agalopado, eu tenho [na canção ‘Agalopado’, presente na nova turnê]”, ele diz.

Também aprendeu a imitar grandes nomes do rádio, como Miltinho, Francisco Alves e Jackson do Pandeiro. Deste, Alceu canta “Chiclete com Banana” e faz uma reflexão logo depois do primeiro verso —”Só boto bebop no meu samba quando Tio Sam tocar um tamborim”.

“Não sou obrigado a ser americanóide. Muitos se tornaram isso por causa do domínio da indústria do disco —que é anglófona.”

Um bastião do que hoje é tratado como anticolonial, Alceu se lembra de, na década de 1970, ser visto como careta pela turma roqueira e psicodélica da cena “udigrudi” de Recife, que revelou nomes como Zé Ramalho, Lula Côrtes e a banda Ave Sangria. Esse pessoal acompanhou Alceu numa performance lisérgica e amalucada de “Vou Danado pra Catende”, na TV Globo, em 1975.

“Eram eles, mas o arranjo era meu”, ele diz, afirmando que já fazia aquele tipo de som desde a música “Planetário”, lançada em 1972 no disco “Quadrifônico”, o primeiro dele, dividido com Geraldo Azevedo. “Lula Côrtes era um roqueiro, mas era do interior. Começou a ver e ouvir comigo outras coisas —banda de pífanos, violeiro. Ali ele descobriu o Nordeste —ele que era de lá.”

Côrtes divide com Zé Ramalho o disco “Paêbirú”, o vinil mais raro —e caro— da música brasileira, de 1975. O álbum é uma viagem sonora que resulta de uma viagem da vida real, de Pernambuco até a Pedra do Ingá, monumento arqueológico na Paraíba que motiva diversas lendas. E teve participação de Alceu.

“Lula chamou Zé Ramalho, que também era roqueiro, eles viajaram, e nesse momento veio na cabeça deles alguma coisa do inconsciente”, diz. “Eu fui [ao estúdio] um dia. Estava cansado e deitei no chão. De repente alguém pergunta se quero fazer uma participação. Aí gravei alguma coisa ali, tudo deitado.”

Mesmo usando guitarras e com uma sonoridade um tanto psicodélica em seus três álbuns solo dos anos 1970 —”Molhado de Suor”, “Vivo!” e “Espelho Cristalino”—, Alceu confessa que não era bem visto por essa turma. “Eu era criticado nessa época, e pelas pessoas ligadas ao rock, ao psicodélico. Elas eram muito boas, mas não gostavam de mim. Achavam que eu era careta. Mas eu não saí da minha onda. O ‘Molhado de Suor’ é um disco brazuca total.”

Naquela década, Alceu desenvolveu uma música que Luiz Gonzaga chamou de “pife elétrico”, um jeito vigoroso e eletrificado de tocar as melodias e harmonias dos estilos tradicionais nordestinos em que as guitarras faziam as vezes de flauta.

A liga entre esses dois universos foi Paulo Rafael, guitarrista roqueiro que saiu do Ave Sangria para se tornar o principal parceiro, fiel escudeiro e um dos arquitetos da sonoridade de Alceu —até a sua morte, em 2021. Segundo o cantor, ele desenvolveu um estilo próprio depois de ouvir um conselho seu.

“Ele é de Caruaru, mas tinha uma formação com a coisa anglófona, com Yes, Rolling Stones. A geração dele tinha raiva de MPB”, diz. “Lá no começo, falei a ele: ‘Paulinho, diga “no” ao Yes. Seja menos Londres e mais Caruaru. Em vez do blues, vá procurar o baião.”

Hoje reverenciados, os discos de Alceu nos anos 1970 não venderam muito, e ele se sentia cansado do Brasil sob a ditadura militar, que prendeu e torturou amigos próximos —caso de Geraldo Azevedo. Ele estava fazendo um show no teatro Tereza Rachel, no Rio, quando soube que o amigo tinha sido preso.

“E ele já tinha sido preso anteriormente, tá? Já tinha me contado da tortura que fizeram com ele”, diz Alceu. “Fiquei tão constrangido com aquilo que queria suspender o show naquele dia. Não aguentei. Estava agoniado. Daí em diante, digo ‘vou embora’.”

Fã de cinema e dos filmes da nouvelle vague, Alceu se autoexilou em Paris com Paulo Rafael. E foi lá que redescobriu a voz de Luiz Gonzaga. Até essa viagem, o pernambucano não tinha costume de tocar violão, após ouvir de músicos próximos que era melhor deixar o instrumento de lado. “Eu não tinha notado, mas o álbum ‘Coração Bobo’ começou a ser feito lá.”

O disco “Saudade de Pernambuco”, lançado em 2016, depois de as fitas ficarem perdidas por décadas, é o elo que une os anos 1970 e os 1980 de Alceu. Feito em Paris em 1979, o álbum marca a aproximação do músico com o violão e com a música de sua terra. Abriu caminho para “Coração Bobo”, LP de 1980 que começou a alavancar o nome do artista à ampla popularidade.

Dali em diante, Alceu teve grandes sucessos. Vieram “Cinco Sentidos”, de 1981, com o sucesso “Cabelo no Pente”, e “Cavalo de Pau”, do ano seguinte, com “Tropicana” e “Pelas Ruas Que Andei”, além da música-título. Este último álbum ultrapassou a marca do milhão de cópias vendidas e com outros hits daquela década —como “Anunciação”, “Solidão”, “Estação da Luz”— firmaram o nome do cantor no panteão da música nacional.

Todas essas histórias perpassam o repertório da próxima turnê, um espelho de como Alceu se tornou único em sua busca incessante pelas sonoridades que vêm do inconsciente —e principalmente ao investigar sua raiz. Sua visão da arte contrária ao domínio de Estados Unidos e Inglaterra também se estende à política.

“O bloco Brics é muito bom, porque quando há um tarifaço qualquer, uma coisa assim de quem tem hegemonia, você tem para onde desviar os negócios. Acho que dentro da geopolítica, os países devem ter parceiros muitos, diversificar parceiros —independente de qual o credo ou a política dele. E eu acho que é necessário que se tenha respeito à autodeterminação dos povos. Mas não sou do Itamaraty, é só a geopolítica.”

Alceu estava viajando e não pôde ir aos atos puxados por seus contemporâneos —entre eles Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil— contra a PEC da Blindagem e a anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado. Mas publicou um vídeo em que defende as pautas que levaram as pessoas às ruas.

“Isso interessava todo mundo. Aquilo era uma onda muito grande do Congresso, um absurdo”, diz. “E se as investigações mostram que aquelas pessoas realmente fizeram aquilo [tentativa de golpe de Estado], eles têm de ser punidos. Pronto, só isso. O militar ou não militar, qualquer pessoa que tiver ido contra a lei. A lei tá aí, não é?”

Veja as datas da turnê “80 Girassóis” abaixo.

– Rio de Janeiro – Farmasi Arena – 14 de março de 2026

– Porto Alegre – Local a confirmar – 21 de março de 2026

– São Paulo – Parque Villa Lobos – 28 de março de 2026

– Salvador – Concha Acústica – 10 de abril de 2026

– Curitiba – Igloo – 25 de abril de 2026

– Brasília – CCBB – 09 de maio de 2026

– Recife – Classic Hall – 15 maio de 2026

– Fortaleza – CFO – 23 de maio de 2026

– Belém – Náutico Marine – 30 de maio de 2026

– Belo Horizonte – Mineirão 13 de junho de 2026