SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois meses após a publicação de um manifesto sobre a urgência da regulamentação do streaming, endereçada a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e assinada por mais de 600 atores e cineastas, o presidente não se manifestou sobre o tema ou marcou encontros com o setor do audiovisual, o que tem despertado insatisfação e críticas no meio.
A primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, figura ligada à cultura e que recebeu maior distinção pública da Ordem do Mérito Cultural neste ano, também não comentou o documento.
A carta foi considerada um marco pelo setor, tanto pela linguagem mais dura quanto pela assinatura de nomes de peso como Walter Salles diretor de “Ainda Estou Aqui”, que deu o primeiro Oscar ao país, Fernando Meirelles, Kleber Mendonça Filho, Laís Bodanzky, Petra Costa, Daniel Filho, Fernanda Torres e Wagner Moura.
“Não podemos aceitar que o nosso mercado audiovisual seja usado como moeda de troca, como em momentos anteriores de nossa história”, diz trecho da carta.
Houve oportunidades para falas públicas sobre o tema. Dois dias após a publicação do manifesto, “O Agente Secreto”, cotado para o Oscar, foi exibido para Lula e Janja no Palácio da Alvorada. A cerimônia foi comandada pela primeira-dama, e a carta não foi mencionada.
Em outra sessão de cinema no Alvorada, em setembro, com exibição de “A Melhor Mãe do Mundo”, da diretora Anna Muylaert, também não houve falas sobre o PL do streaming.
Quando “O Agente Secreto” foi selecionado para representar o Brasil no Oscar, Lula e Janja postaram uma foto com o letreiro “Cultura soberana”, comemorando as premiações do filmes, mas sem fazer menção à regulamentação do VoD, ou vídeo sob demanda.
Desde que o presidente americano Donald Trump retaliou comercialmente o país usando como argumentos pretextos políticos e acusando a justiça brasileira de perseguir Jair Bolsonaro (PL), Lula tem feito falas recorrentes em reforço à soberania nacional, criticado interferências estrangeiras e pedindo respeito, mas não sobre a regulamentação do streaming. Os dois conversaram nesta segunda, por telefone, e o principal assunto foi o tarifaço de 50% aplicado governo dos EUA ao Brasil.
Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, a Secom, apenas encaminhou uma resposta do Ministério da Cultura, que diz que “ter nomes como Walter Salles, Fernanda Torres, Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho apoiando essa causa reforça a importância de um marco regulatório que defenda os interesses e a soberania do audiovisual nacional”.
A pasta afirma ainda que “a regulação do VoD é uma prioridade máxima, e acompanha de perto a tramitação da proposta que está na Câmara dos Deputados”.
No dia seguinte à carta, a ministra Margareth Menezes se reuniu com representantes do setor sobre regulamentação do VoD. “Avançamos no diálogo, com escuta aberta ao setor, ao Congresso, ao Governo e às próprias plataformas”, afirmou, na ocasião.
Menezes postou em sua conta oficial nas redes sociais que o governo apoiava o PL relatado por Jandira Feghali (PCdoB-RJ), “que foi construído de forma colaborativa, com base em propostas discutidas com diversas instâncias da nossa pasta”.
Já o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) se reuniu com representantes do audiovisual brasileiro duas semanas depois da publicação da carta.
Antes da carta, em março deste ano, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) se reuniu com representantes do setor e com Jandira Feghali.
Vários nomes do setor demonstraram insatisfação com a falta de resposta. O diretor Gabriel Mascaro, premiado em Berlim neste ano, afirma que “Lula tem uma oportunidade muito especial para afirmar a importância de garantir a soberania brasileira no audiovisual”. “É incompatível com o governo Lula não se manifestar e não enfrentar esse debate como ele merece”, diz o cineasta.
“Creio que o presidente Lula se satisfaz com as comemorações, indicações e prêmios em festivais internacionais, festas pela proliferação de produtoras em todo o país sem se dar conta do grave momento que vivemos”, afirma a produtora Mariza Leão. “Recursos públicos como do Fundo Setorial do Audiovisual ignoram investimentos numa indústria audiovisual brasileira. O crescimento do público de filmes nacionais nas salas de cinema é baixo e os filmes que tem atraído o público necessitam de investimentos realistas.”
“A luta pela regulação do VoD tem sido enfrentada pelos sindicatos com apoio do governo, mas sem a voz e presença ativa e essencial do Lula. Triste”, diz Leão.
“Continuamos ansiosos esperando que o governo Lula retome as rédeas da política cultural, reafirme a soberania cultural brasileira e trate o audiovisual como o campo estratégico que ele é, como aconteceu em seus dois primeiros mandatos e foi imensamente aplaudido por todos nós”, afirma o diretor Joel Zito Araújo.
Já outras figuras do setor audiovisual ponderam que não é justo cobrar uma resposta formal do presidente Lula, e que as respostas se dão em diálogos nos bastidores.
Nos últimos meses, plataformas como Netflix e Amazon têm se aproximado de diferentes áreas do governo federal e participam de mesas de negociação para apoiar projetos variados, como reformas de salas de cinema, campanhas de promoção do turismo e reformas em equipamentos públicos.
O PL do streaming tem como foco a Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, que é cobrada de sala de cinema a TV a cabo, mas as plataformas como Netflix, que está no país há quase 15 anos, não pagam.
A discussão sobre o tema vem se arrastando há anos. O grupo, que já encaminhou outras cartas ao governo, defende 6% como alíquota mínima das plataformas na Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, a Condecine.
A Strima a associação que reúne Disney+, Netflix, Max, Prime Video e Globoplay, quer, por outro lado, que a alíquota da Condecine caia para 3%. A entidade se reuniu no mês passado com o Ministério da Cultura e apresentou uma lista de propostas que diminuem o ônus sobre as plataformas.
Entre os pontos mais controversos defendidos pela Strima está a autorização de destinação de recursos da Condecine a produções sem propriedade intelectual majoritariamente pertencente a brasileiros.
Na carta, o grupo de cineastas, atores e diretores se manifestam contra isso.