BOGOTÁ, None (FOLHAPRESS) – O Nobel de Física apresentado nesta terça-feira (7) mais uma vez acabou nas mãos de cientistas que nascem no Reino Unido, nos Estados Unidos e na França. Mas a documentação do prêmio traz um afago ao Brasil: a citação ao trabalho pesquisador brasileiro Amir Caldeira, professor de física da Unicamp e membro da ABC (Academia Brasileira de Ciências).
O Nobel cita, especificamente, a pesquisa de doutorado de Caldeira, do começo da década de 1980, na qual o pesquisador olhava para o tunelamento quântico. “Juntamente com seu aluno de doutorado Amir Caldeira, [Anthony] Leggett investigou como as taxas de tunelamento seriam afetadas por um acoplamento fraco remanescente a um ambiente dissipativo”, consta na documentação do prêmio.
O britânico Anthony Leggett, 87, ganhou o Nobel de Física de 2003.
“Quais são os problemas que você vai resolver com tal computador quântico? Sabe qual é a resposta honesta? Não sei”, afirma à reportagem Caldeira. “Você tem quatro grandes algoritmos para a computação quântica. Como o de choque, que é baseado em fatoração, que você poderia quebrar a senha de banco num estalar dos dedos. Mas para você ter o computador universal, como a gente tem todos esses computadores… nós estamos longe disso. Primeiro vamos chegar nele, depois descobrir quem de fato é ele, esse computador.”
Caldeira não se sente muito confortável com as ideias, muito frequentemente aplicadas à ciência, de imediatismo e utilitarismo. “Essas duas coisas me deixam meio nervoso”, afirma.
Segundo o pesquisador, a cobrança de aplicação prática para qualquer coisa que se faça atualmente é algo desproporcional e superdimensionado.
O cientista da Unicamp se diz cansado de ouvir algumas coisas. “O pessoal hoje já chega falando: ‘física para quê? Acabou essa física que vocês aprendiam; Acabou isso tudo, hoje em dia é você ter startup e é empreendedorismo’.”
“Você ainda tem que saber o problema, tem que entender o problema, os conceitos. Você tem que entender como é que a coisa funciona, porque senão você não vai gerar nada, você não vai gerar conhecimento novo”, afirma Caldeira.
O cientista diz que, especialmente em física, é importante separar pesquisa básica e desenvolvimento esse último trabalhando com tecnologias, técnicas etc já conhecidos. “Mas não adianta você dizer que todo mundo vai ter que trabalhar só em coisa aplicada, porque não presta mais trabalhar em coisa fundamental.”
O ponto de Caldeira é que, muitas vezes, o desenvolvimento científico segue caminhos inesperados. Portanto, por mais que se olhe e se fale muito dos computadores quânticos e dos chamados qubits, não se sabe realmente para onde o tema vai caminhar.
“De repente o pessoal vai vislumbrar uma aplicação muito melhor para essas coisas. Ou talvez os qubits que estejam sendo testados agora não venham a ser realmente os melhores candidatos. Não sei. Essa coisa tem um desenvolvimento, de vez em quando, meio inesperado.”
Por mais que estejam irrigando a ideia de computadores quânticos com bilhões de dólares, essa é só a primeira abordagem, segundo o docente brasileiro.
O laser é usado como uma analogia pelo pesquisador da Unicamp. “Ninguém jamais imaginou, quando o laser foi desenvolvido, que estaria desenvolvendo um negócio que ia fazer operação de catarata, ou que ia ser usado na impressora”, afirma Caldeira.
Outro exemplo dado por Caldeira é a relação entre o GPS e a teoria da relatividade geral. “Quem imaginaria o Einstein falando em 1915 na relatividade geral da curvatura do espaço-tempo…’que inutilidade, né? Essa coisa só tem sentido perto de buraco negro.’ É, mas se você não levar em conta correções da relatividade geral, o seu GPS não vai ter a precisão que tem”, afirma o pesquisador da Unicamp.
“O desenvolvimento científico tem uma dinâmica própria. Claro que há áreas onde a pesquisa é muito mais direcionada. Agora a física, e principalmente essa física que está tangenciando os maiores desafios, ela tem uma dinâmica própria. Não adianta a gente querer botar o carro à frente dos bois.”
IDADE DA PEDRA DOS COMPUTADORES QUÂNTICOS
Para pesquisadores da área, ainda estamos na idade da pedra da computação quântica, a aplicação mais pop da láurea dada nesta terça para John Clarke, 83, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Michel H. Devoret e John Martinis, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz Devoret também tem laços com a Universidade Yale.
Oficialmente, os três foram premiados pela “descoberta de tunelamento quântico e quantização de energia macroscópicos em um circuito elétrico”.
“Estamos ainda na idade da pedra da computação quântica. Seria o análogo dos primeiros computadores da década de 40 ou 50”, diz Rafael Chaves, líder de pesquisa do Instituto Internacional de Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e pesquisador apoiado pelo Instituto Serrapilheira.
Segundo Chaves, os computadores quânticos ainda são rudimentares e usados, até o momento, para resolver curiosidades matemáticas, sem aplicação realmente prática.
O pesquisador da UFRN diz que, em geral, os computadores quânticos atuais trazem apenas provas de princípio e que, talvez, as aplicação práticas estejam em um futuro não muito distante.