BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – O Acordo de Paris, que completa dez anos em dezembro, transformou o debate público e a governança sobre a mudança climática; alavancou a expansão da energia renovável e o desenvolvimento de novas tecnologias; tornou as metas de emissão um parâmetro palpável. Restam muitos desafios.

Sinal dos tempos, ele perdeu parte da essência daquilo que alcançou dez anos atrás, um sentido coletivo e planetário à causa ambiental.

“Precisamos da COP30 para mobilizar novamente essa visão coletiva de que estamos todos juntos, que não é apenas meu país sozinho contra o resto do mundo”, afirma Michel Colombier, cofundador e diretor do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI, na sigla inglês).

“Precisamos desse entendimento coletivo de que temos o mesmo objetivo, estamos no mesmo barco, tentando implementar políticas climáticas.”

IDDRI é o organizador do relatório Caminhos para a Descarbonização Profunda (DDP), programa que reúne cientistas do mundo inteiro para radiografar avanços e retrocessos do planeta em busca de um aquecimento “bem abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-industriais”, como consta do documento da ONU de dez anos atrás.

O mundo está flertando com mais atualmente, mas há conquistas, mostra o DDP, lançado nesta semana.

“O Acordo de Paris foi concebido como um catalisador para a ação nacional e, dez anos depois, podemos ver os resultados”, diz Henri Wasser, diretor do programa. “Os países começaram a reformular a governança climática, incorporar perspectivas de longo prazo na formulação de políticas e acelerar as mudanças tecnológicas.”

“Esse progresso é significativo”, declara o especialista, que lista, no entanto, o que precisa ser feito nos próximos dez anos: intensificar os esforços, enfrentar os desafios sociais e industriais e garantir que a ambição seja consistentemente traduzida em ações eficazes.

O último ponto traduz a situação no Brasil, um dos 21 países estudados no relatório. Com uma transição energética encaminhada por razões históricas, porém seduzido pela ideia de se tornar uma potência de petróleo; com metas climáticas firmes, mas sujeitas ao sabor do próximo governo, lembra Emilio Lebre La Rovere, professor titular da Coppe-UFRJ, responsável pelo capítulo brasileiro do estudo.

“O Acordo de Paris foi muito importante para fazer com que o governo, principalmente o setor privado, acreditasse que, mais cedo ou mais tarde, a transição para a neutralidade climática realmente irá acontecer”, afirma o cientista. Velhos e novos problemas desafiam o país uma década mais tarde.

O desmatamento, responsável por 40% das emissões do país, junto com a agricultura, notadamente a pecuária, por outros 30%, permanecem problemáticos.

“Aprendemos como reduzir essas emissões por meio de medidas de comando e controle, aplicando leis e regulamentações. E também por meio de ferramentas de política econômica, como crédito público condicionado a restrições ambientais.”

A próxima questão a ser superada, diz o especialista, é como promover atividades econômicas que recompensem a preservação florestal e, inclusive, o aflorestamento (aumento da cobertura vegetal), algo que demanda financiamento e prazo.

La Rovere lembra ainda que o Brasil aderiu à Opep+ e demonstra a pretensão de “tomar um atalho para a prosperidade”, acelerando a produção de petróleo e gás e as exportações de derivados. A discussão é por quanto tempo essa janela de oportunidade estará aberta e se o custo ambiental valerá a pena.

Ao mesmo tempo, o país demonstra maturidade em outros campos do debate, como apresentar uma estratégia de longo prazo (LT-LEDS, no léxico do UNFCCC, o braço da ONU) ainda neste governo Lula 3. O plano, lançado na COP29, no ano passado, prevê uma transformação ecológica calcada em desenvolvimento econômico e social.

“Um dos principais desafios da COP30 é realmente encontrar mecanismos financeiros inovadores que sejam capazes de diminuir o custo do capital e tentar fomentar o investimento em infraestruturas resilientes e com baixas emissões de carbono”, diz La Rovere.

E tudo isso evitando “agitação social” e “dificuldades econômicas”, como pontua Colombier, sobre a ausência dos EUA de Donald Trump na conferência e o uso de bandeiras antiambientais por políticos populistas e de extrema direita.

“É nossa responsabilidade coletiva discutir ferramentas que possam apoiar os países nesse processo. Ir além dos números, mesmo que eles sejam importantes, e entender que o problema não é atrasar a transição, mas sim ver como implementá-la em cada país de acordo com suas especificidades e desenvolver ferramentas comuns para isso.”

Uma forma diferente de resgatar o sentido coletivo de dez anos atrás.

O BRASIL, SEGUNDO O RELATÓRIO DDP

ASPECTOS POSITIVOS

– Políticas de curto prazo ainda precisam incorporar as perspectivas de longo prazo; planejamento econômico e financiamento sustentável são exemplos promissores;

– Análises de longo prazo feitas por cientistas climáticos baseiam tomada de decisões do Ministério da Economia e de outros órgãos do governo;

– Existência de uma comissão sobre mudança climática para coordenação entre ministérios;

Políticas de preços têm sido eficazes para impulsionar a penetração das energias eólica, solar e de biocombustíveis na matriz energética.

ASPECTOS POSITIVOS

– Redução das emissões da pecuária bovina é fundamental a longo prazo, mas atualmente enfrenta obstáculos devido à falta de regulamentações;

– Interesses locais e empresariais impedem a implantação de políticas existentes para a redução do desmatamento;

– Salto da energia renovável não foi acompanhado pelo sistema de distribuição e por estratégias de armazenamento;

Políticas industriais estratégicas enfrentam desafios relacionados a interesses concorrentes nos setores de petróleo e gás e pressão de financiamento no curto prazo.