SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio à crise de bebidas adulteradas e casos de intoxicação por metanol, jovens que vivem em São Paulo decidiram dar um tempo no consumo de álcool e alguns não cogitam voltar a beber até que se desenhe um cenário mais seguro.
Coincidentemente, passar o mês de outubro sem consumir bebida alcoólica já é um movimento forte em outros países. Chamada de “Go Sober for October” -algo como “fique sóbrio em outubro”-, a campanha foi impulsionada pelo Instituto Britânico Macmillan Cancer Support, no Reino Unido, para conscientizar sobre os malefícios do álcool e arrecadar dinheiro para apoiar pacientes com câncer.
O tradutor Alberto Masteline, 33, que decidiu passar o mês sem consumir álcool, diz que já estava familiarizado com o movimento. “Descobri o ‘outubro sóbrio’ há uns oito anos, quando ainda era palatável ouvir o podcast do Joe Rogan [comediante americano envolvido com desinformação].”
Ele conta que sempre teve vontade de passar um tempo sem beber e que a decisão já havia sido tomada quando estourou a crise do metanol. “Não acho que vai ser um grande problema, eu realmente não sou uma pessoa que precisa beber para aproveitar uma saída com amigos, por exemplo.”
A hepatologista Camyla Freitas, do Hospital Santa Paula, da Rede Américas, considera importantes esses movimentos que estimulam a abstinência. Ela avalia que ainda é comum a glamourização do consumo de álcool, algo visto como atividade recreativa, e defende que os impactos negativos desse hábito sejam mais debatidos. “Precisamos lembrar que o vício em álcool é uma doença”, diz.
Alberto, que pretende ficar sem álcool até o fim de outubro, diz que vai acompanhar a situação das bebidas adulteradas com metanol e ver como a crise se desenrola. “A partir de novembro, devo seguir as recomendações [das autoridades] sobre beber ou não.”
A advogada Barbarah Ferrari, 33, conta que também quer ficar os 31 dias de outubro sem ingerir bebida alcoólica.
“Fisicamente, a minha expectativa é sentir mais disposição. No ano passado, quando fiquei um período sem beber, percebi o corpo desinchar naturalmente. Como as bebidas são calóricas, isso por si só já faz diferença. Mas, para mim, o principal benefício será mental”, diz ela, que se lembra dos dias “sem ressaca e sem dor de cabeça”.
Ela avalia que a cultura brasileira associa eventos sociais ao consumo de álcool e afirma que deseja mudar essa chave. “Quero lembrar sempre que minha vida social não precisa estar condicionada ao álcool. Aliás, isso já é um hábito que venho cultivando desde o ano passado.”
Barbarah diz que não pretende voltar a beber até que a crise do metanol seja resolvida. Para ela, que já considerava parar, o risco atual torna impensável o consumo de álcool.
BENEFÍCIOS DE UM MÊS SEM ÁLCOOL
A médica Lisa Saud, hepatologista do Hospital Nove de Julho, lembra que o consumo de álcool está associado a diversos efeitos nocivos para o corpo. Assim, ficar um mês sem beber pode de fato trazer benefícios significativos para a saúde?
A especialista afirma que sim. Segundo ela, deixar de consumir bebida alcoólica ajuda a reduzir a inflamação no fígado e o acúmulo de gordura causado pela substância no órgão. Esses efeitos, ela acrescenta, são ainda mais importantes para pacientes com hepatite, obesidade, diabetes ou histórico de consumo frequente de álcool, por exemplo.
A abstenção por um mês ainda “contribui para a melhora da qualidade do sono e para um melhor controle de comorbidades metabólicas como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia”.
“Também reduz a ingestão calórica, o que favorece hábitos alimentares mais saudáveis e, muitas vezes, mais prática de atividade física”, completa. “Esses fatores em conjunto têm impacto positivo global na saúde.”
De acordo com a hepatologista Camyla Freitas, isso ocorre porque a pausa na ingestão de álcool reduz a produção, pelo organismo, de radicais livres e substâncias oxidantes prejudiciais, além de diminuir o edema (inchaço) causado pela retenção hídrica. Esse processo de desintoxicação tem impacto direto nos exames de sangue, por exemplo.
Ainda, é comum observar redução nos níveis de colesterol e triglicérides, sinalizando a recuperação do fígado e a retomada de suas funções de metabolismo e desintoxicação, explicam as médicas.
Para bebedores crônicos, porém, um mês não é suficiente para uma boa recuperação.
“Entre três a seis meses existe uma melhora bem importante, claro, se o paciente não tiver se tornado cirrótico. Uma vez cirrótico, o fígado não se recupera mais, ele perde a sua capacidade de regeneração”, afirma Camyla Freitas.
O psiquiatra Bruno Branquinho, sócio fundador da NuMA (Núcleo de Medicina Afetiva em São Paulo), afirma que um dos grandes benefícios de passar por um período de sobriedade está na oportunidade de refletir sobre como o próprio consumo de álcool.
Ele afirma que a abstinência pode mostrar, por exemplo, se há uma dependência social ou emocional. “As pessoas usam o álcool para lidar com angústias. Quando param de beber, podem direcionar essas angústias para outras coisas -comida, café, açúcar, televisão, internet.”
A hepatologista Camyla Freitas reforça que é fundamental entender que não existe um nível seguro de consumo alcoólico, conforme demonstrado por diversos estudos. A ideia de que uma dose diária seria inofensiva já foi superada, ela diz. “Não há como estabelecer um limite mínimo seguro, e a conduta mais adequada é a abstinência total.”
Essa recomendação é reforçada pelo fato de que cada indivíduo processa o álcool de forma única, com o fígado reagindo de maneira particular à substância. “Dada essa variabilidade individual e a ausência de um patamar seguro, a conclusão é definitiva: nenhuma quantidade de álcool pode ser considerada segura.”