SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No centenário da fundação da mecânica quântica, a base teórica que explica o comportamento da matéria em suas menores escalas, o comitê do Nobel decidiu premiar um trio de físicos por revelar a presença de efeitos aparentemente malucos e contraintuitivos da teoria mesmo em sistemas macroscópicos, explorando a turva divisa entre os mundos clássico e quântico.

Os ganhadores têm todos laços com a Califórnia, nos Estados Unidos. John Clarke pertence à Universidade da Califórnia em Berkeley, e seus colegas Michel H. Devoret e John Martinis, à Universidade da Califórnia em Santa Cruz, sendo que Devoret também tem laços com a Universidade de Yale.

Em anúncio realizado nesta terça-feira (7) na sede da Academia Real de Ciências da Suécia, em Estocolmo, os três dividiram o Prêmio Nobel em Física pela “descoberta de tunelamento quântico e quantização de energia macroscópicos em um circuito elétrico”.

A escolha vem bem a calhar, justamente no centenário da moderna teoria quântica, iniciada por Werner Heisenberg, em 1925. O físico alemão foi o primeiro a teorizar a natureza bizarramente probabilística de objetos quânticos. Átomos estão longe de ser réplicas em miniatura de sistemas solares, como até então se pensava, e partículas não podem ser comparadas a bolas de bilhar. Isso porque, quando falamos de planetas ou de quaisquer outros objetos macroscópicos, todos podemos concordar sobre o local em que estão e a velocidade com que se deslocam.

Na mecânica quântica, essa realidade que nos parece tão óbvia se desfaz: partículas elementares não têm posição ou velocidade definidas —elas existem numa sobreposição de todas as posições ou velocidades possíveis para elas, até que sejam observadas por algum aparato experimental. E mais: há limites estritos sobre o que essas medições podem revelar a respeito delas. Se o físico mede com precisão a velocidade de uma partícula, a ele é vedado saber com precisão a posição dela, e vice-versa.

É o chamado princípio da incerteza, formulado por Heisenberg em 1927 e base dos fenômenos quânticos, em que fenômenos podem se manifestar como ondas ou como partículas, dependendo de como os sondamos —a realidade quântica depende essencialmente do observador e de como ele a aborda.

EM PERSPECTIVA

Com o anúncio desta terça-feira, já são 119 concessões de Prêmio Nobel em Física, realizadas entre 1901 e 2025 (em seis anos não houve premiados), para 229 pessoas (as regras impõem no máximo três por ano).

A premiação de 11 milhões de coroas suecas (equivalente a aproximadamente R$ 6,3 milhões), a ser dividida entre os ganhadores, foi estabelecida como desejo deixado em testamento por Alfred Nobel (1833-1896), químico e empresário sueco famoso pela invenção da dinamite no século 19.

A cerimônia de entrega das láureas em Estocolmo está agendada para 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Nobel.

Os vencedores do ano passado foram o americano John Hopfield e o britânico Geoffrey Hinton, numa premiação voltada à inteligência artificial. Eles foram premiados especificamente por descobertas fundacionais e invenções que permitem o aprendizado com redes neurais artificiais.

Ainda na categoria de Física, somente uma pessoa foi agraciada duas vezes: o americano John Bardeen (1908-1991), que recebeu o prêmio de Física em 1956 e em 1972.

Marie Curie (1867-1934) também é uma das pouquíssimas pessoas a ganhar o Nobel duas vezes, porém isso se deu em duas categorias: primeiro em Física em 1903 e em Química mais tarde, em 1911.

O detentor mais jovem de um Nobel de Física é o australiano William Lawrence Bragg (1890-1971). Ele tinha 25 anos em 1915 quando dividiu a láurea com o seu pai, sir William Henry Bragg (1862-1942), por pesquisas voltadas à análise da estrutura de cristais por meio de raios X.

O mais velho, por sua vez, é Arthur Ashkin (1922-2020). Ele recebeu sua láurea em 2018 aos 96 anos por pesquisas com laser. O americano inventou as chamadas pinças ópticas, que usam a força do raio laser focalizada para manipular objetos microscópicos, incluindo organismos vivos, como vírus e bactérias.

No Nobel de Física, a maioria dos laureados é de homens. Além de Curie, apenas outras quatro mulheres foram premiadas: a alemã Maria Goeppert Mayer (1906-1972) em 1963; a canadense Donna Strickland, 66, em 2018; a americana Andrea Ghez, 60, em 2020; e a francesa Anne L’Huillier, 67, em 2023.