SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ana Toni, diretora-executiva da COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas marcada para o próximo mês em Belém, diz que a cúpula será inclusiva, apesar da crise gerada pelos preços altos de hospedagem na cidade.
A pouco mais de um mês do evento, que será realizado de 10 a 21 de novembro, ela afirma que 125 países se comprometeram a entregar novas metas de redução de gases do efeito estufa, conhecidas como NDCs (contribuições nacionalmente determinadas), até o final de 2025.
Apenas 62 países, menos de um terço dos 195 signatários do Acordo de Paris, protocolaram formalmente as novas versões dos documentos junto à UNFCCC, o escritório climático da ONU. O prazo venceu em fevereiro e foi prorrogado até o final de setembro.
Uma análise da plataforma independente Climate Watch indica que as metas já entregues representam 31% das emissões globais. O cálculo não considera a China, que apresentou sua NDC durante a Assembleia Geral da ONU, porque o país ainda não consta nos registros oficiais.
Segundo a organização da cúpula, 87 países garantiram hospedagem em Belém até o momento, e outros 86 estão em processo de negociação.
Brasília receberá na próxima semana, em 13 e 14 de outubro, a pré-COP30, evento preparatório para a cúpula na capital do Pará. Toni diz que representantes de cerca de 50 nações confirmaram presença.
A diretora afirma também que a crise de hospedagem em Belém não terá efeitos sobre a negociação diplomática. “Todas as delegações, não tenho dúvida, virão e vão participar, não faltará o hotel ou acomodação adequada a um preço que eles queiram e possam pagar”, diz.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista à Folha de S.Paulo.
PERGUNTA – Faltam 34 dias para a COP30. O que é preciso alinhar na reta final dos preparativos?
ANA TONI – Vamos ter uma pré-COP na semana que vem com alguns temas de negociação, para avançar ainda mais nos assuntos que vamos lidar em Belém. Tudo está ocorrendo como planejado, estamos fechando alguns temas e ouvindo todos os países para chegarmos mais juntos na COP30.
P. – Quais serão as prioridades da pré-COP em Brasília?
AT – Os negociadores estão priorizando três grandes temas: os indicadores da meta global de adaptação; o diálogo do Global Stocktake [balanço das ações tomadas até agora]; e o texto de negociação sobre transição justa.
Vamos aprofundar o debate sobre esses temas, mas vamos tratar de outros, como financiamento, agenda de ação, e TFFF [Fundo de Florestas Tropicais].
P. – A presidência da COP trabalha para alcançar um texto final que envolva a lacuna (“gap”, em inglês) entre as ações dos países e as projeções de aumento da temperatura global?
AT – A gente tem como número 125 países que estão prometendo fazer as suas NDCs até o final do ano, é algo bastante significativo. Com base nisso, a UNFCCC vai fazer um relatório-síntese e só depois vamos saber se temos um “gap” e qual o tamanho.
Vamos esperar o relatório-síntese, trazer para os negociadores e ouvir deles se e como responder se houver o “gap”. Com a entrega das NDCs de 2035, há uma expectativa de que o tema seja trazido na reunião de chefes de Estado [em 6 e 7 de novembro, em Belém], na COP, ou nos discursos dos chefes de Estado. Mas ainda não está definido para ser um tema de debate.
P. – Até o momento, 62 das 195 partes do Acordo de Paris entregaram novas NDCs, segundo os registros oficiais da ONU. Como a senhora vê esse número?
AT – Obviamente, a gente gostaria que a gente tivesse muito mais NDCs, mas a pergunta que mais nos importa é: as NDCs estão melhores em termos de qualidade?
Temos conversado com os países e muitas metas têm demorado porque, pela primeira vez, elas estão sendo construídas através de um debate com diversos ministérios, envolvendo a economia como um todo. Os países estão fazendo levantamento de dados e baseando as suas NDCs em cenários muito mais bem calculados, com inventários [de emissões].
O que vamos conseguir ver quando juntar todas as NDCs no relatório-síntese é se estamos atrás da meta de 1,5°C, e o mais importante: o que fazer para acelerar a implementação.
P. – É uma COP da implementação, para que a ambição seja baseada em coisas concretas, e não só em números colocados muitas vezes sem bases científicas.
Os preços de hotéis em Belém seguem elevados em alguns casos e há relatos de países que planejam diminuir delegações ou reduzir a estadia. A senhora teme que a crise de hospedagem impacte o humor dos negociadores?
AT – Os preços estavam absurdamente caros e acho que agora já começaram a descer. A força-tarefa do governo brasileiro está ajudando os países a encontrarem acomodação adequada para suas delegações, e já vimos que isso melhorou, todos os delegados estão encontrando as suas acomodações.
Eu não acho que vai afetar negativamente as negociações, é parte da realidade. Obviamente, a gente não esperava e não queria que o tema tivesse tido a monta que teve, mas aconteceu.
Ainda temos um mês para a COP30, com todo mundo arrumando suas acomodações. Esperamos que isso tenha sido superado e que, quando chegarem em Belém, os delegados tenham a capacidade de se concentrar no que é importante: debater os temas, avançar na implementação e acabar uma COP exitosa com o maior número possível de acordos.
Todas as delegações, não tenho dúvida, virão e vão participar, não faltará o hotel ou acomodação adequada a um preço que eles queiram e possam pagar.
Mas queremos que seja muito mais do que os delegados, é também ter os governos subnacionais, o setor privado, sociedade civil, povos indígenas. Uma COP inclusiva é para todos, não só para os delegados.
P. – Com relação à NDC do Brasil, o agronegócio e o Ministério da Agricultura reclamam das metas previstas para o setor no Plano Clima, apesar de terem participado da elaboração dos compromissos. Como a senhora enxerga isso?
AT – A minha sensação, trabalhando com o agro na preparação da COP30, é de que o Brasil chega na COP30 com uma mesma narrativa e muito unido em mostrar que o país é um provedor de soluções climáticas em diversos temas, inclusive na agricultura.
A forma como o Plano Clima chega na COP mostra o quanto trabalho o Brasil fez de ter uma NDC muito ambiciosa e detalhada, com planejamento específico para cada setor. Mostra o nível de maturidade da sociedade brasileira de sentar na mesa e debater esses temas.
P. – O que está sendo planejado para o relatório de Baku a Belém, para aumentar o financiamento climático para US$ 1,3 trilhão?
AT – Tem muito mais do que US$ 1,3 trilhão já sendo mobilizado no mundo para a mudança do clima. Se não me engano, são US$ 2,3 trilhões. Só que a maioria do recurso está nos países do Norte.
A grande dúvida é como fluir os recursos para os países em desenvolvimento.
O relatório vai ser comunicado no final deste mês. Recursos não faltam, tem muitas ideias interessantes sendo pensadas. Vai trazer um debate muito importante para a sociedade e principalmente para os que detêm o poder de mobilizar esse recurso: bancos multilaterais e nacionais, setor privado, governos, uma série de atores.
P. – Como a senhora enxerga a NDC da China, que foi vista por alguns especialistas como decepcionante, e a da União Europeia, que ainda não entregou sua nova meta?
AT – A China sempre passa das suas metas, e isso é um bom sinal, é ótimo.
Em relação à União Europeia, a Ursula von der Leyen reafirmou que o bloco vai colocar a sua NDC antes da COP30. Então, a gente acredita que isso vai acontecer, sim.