PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Antes de completar um mês de governo, o primeiro-ministro Sébastien Lecornu pediu demissão nesta segunda-feira (6), agravando a crise política na França. O pedido foi aceito pelo presidente Emmanuel Macron.
A renúncia aumenta a chance de uma dissolução do Parlamento e da convocação de novas eleições. A França teve cinco primeiros-ministros nos últimos dois anos: Élisabeth Borne, Gabriel Attal, Michel Barnier, François Bayrou e Lecornu.
Este último discursou no pátio do Hôtel de Matignon, residência oficial e local de trabalho do premiê. “Não se pode ser primeiro-ministro quando as condições não são preenchidas”, afirmou. “É preciso sempre preferir seu país a seu partido.” Segundo o demissionário, “os partidos políticos continuam a se comportar como se todos tivessem a maioria absoluta”.
Após o anúncio da queda de Lecornu, líderes da oposição pediram a renúncia de Macron. “A contagem regressiva começou”, disse a deputada Mathilde Panot, líder do partido A França Insubmissa (LFI), de ultraesquerda. Jordan Bardella, presidente do maior partido de ultradireita, a Reunião Nacional (RN), defendeu a dissolução da Assembleia Nacional, o equivalente francês à Câmara dos Deputados.
No final da tarde, o Palácio do Eliseu, sede da Presidência, anunciou que Macron encarregou Lecornu de comandar “negociações finais” até quarta-feira (8) e “definir uma plataforma de ação e de estabilidade para o país”.
Isso gerou a especulação de que Macron possa renomear o mesmo Lecornu para tentar montar um novo gabinete, mas o premiê teria dito ao presidente que não aceitaria.
Viralizou nas redes sociais uma imagem, exibida pelo canal noticioso BFM TV, que seria de Macron caminhando solitário pela margem do rio Sena, seguido à distância por um segurança. A imagem foi interpretada como uma metáfora do isolamento atual do presidente.
Em seu segundo mandato, que vai até 2027, Macron não pode concorrer à reeleição. O presidente já disse mais de uma vez que pretende cumprir seu mandato até o fim.
A líder das pesquisas de intenção de voto para a Presidência em 2027, Marine Le Pen, que na prática comanda a RN, disse que não pedirá a renúncia de Macron, mas que “seria sábio” se ele tomasse essa decisão. Por outro lado, segundo ela, a dissolução da Assembleia é “absolutamente necessária”.
Le Pen, que é deputada, em princípio está inelegível, devido a uma condenação por desvio de fundos do Parlamento Europeu. Seu recurso será julgado em janeiro.
Lecornu havia sido nomeado por Macron no dia 9 de setembro e, no último domingo (5), depois de mais de três semanas de tratativas de bastidores, anunciou um ministério parecido com o de seu antecessor, Bayrou -de quem havia sido ministro da Defesa.
O ministério de Lecornu foi fortemente criticado pela oposição, tanto de ultraesquerda quanto de ultradireita. Até mesmo um dos integrantes do gabinete, Bruno Retailleau, reconduzido ao Ministério do Interior, responsável pela segurança pública, expressou publicamente o descontentamento de seu partido, os Republicanos, de direita.
Com ambições de chegar à Presidência, Retailleau acusou Lecornu de esconder o nome escolhido como novo ministro da Defesa, Bruno Le Maire. Ex-ministro da Economia durante os sete primeiros anos de Macron na Presidência (2017 a 2024), Le Maire não era a opção que agradava aos Republicanos.
A ameaça da perda de apoio da sigla direitista foi fatal para Lecornu, pois significaria que seu governo não sobreviveria a uma moção de censura.
Com apenas 27 dias, o governo Lecornu entra para a história como o mais curto da Quinta República, sistema de governo adotado pela Constituição francesa de 1958, um parlamentarismo com um papel forte do Executivo.
A origem da crise é a impopularidade de Macron, provocada por medidas como uma reforma que elevou de 62 para 64 anos a idade da aposentadoria. A dívida pública francesa é de 3,3 trilhões (cerca de R$ 20,8 trilhões), ou 114% do Produto Interno Bruto. Em parte, seu agravamento se deve à Covid-19: antes da pandemia, estava em 98% do PIB. O déficit público em 2024 foi de 5,8% do PIB.
Nas eleições para o Parlamento Europeu, em junho do ano passado, o partido de Macron, o Renascimento, foi derrotado. O presidente agravou a situação ao convocar novas eleições para a Assembleia Nacional. O resultado foi um Parlamento rachado em três blocos -esquerda, centro-direita e ultradireita- sem que nenhum tivesse obtido maioria para governar.
Macron nomeou sucessivamente Barnier, Bayrou e Lecornu, mas nenhum dos três conseguiu formar uma maioria para aprovar leis. Barnier ficou 3 meses no poder; Bayrou, 9.
A bolsa de Paris abriu em queda de cerca de 2%, diante da notícia, e fechou em queda de 1,36%.