RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma proposta de revisão do estatuto do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é o novo foco da turbulência entre a gestão do presidente Marcio Pochmann e o quadro de servidores do órgão.
A polêmica interna ganhou corpo ao longo do mês de setembro, um ano após os primeiros protestos de funcionários contra medidas da direção.
Na avaliação da Assibge, a associação sindical que representa os servidores, a revisão do estatuto sugerida pela gestão Pochmann abre margem para concentração de poder na presidência em detrimento de áreas técnicas do instituto.
Conforme a entidade, a principal alteração proposta é deixar de prever no estatuto a estrutura completa de diretorias do órgão, que seria remetida a um regimento interno.
Enquanto o estatuto é modificado por meio de decreto presidencial, o regimento interno é estabelecido por ato do presidente do IBGE, segundo a associação.
“Isso significa que o presidente do IBGE teria, a qualquer tempo, liberdade para fundir, dividir e reconfigurar diretorias, inclusive distribuindo cargos e competências, detendo um poder que não detém hoje”, disse a Assibge em nota na segunda-feira (29).
“Um grave problema desse modelo de estatuto total flex é deixar o órgão à mercê de aventureiros.”
A gestão do IBGE, por sua vez, afirmou que esta é a primeira vez na história da instituição que uma revisão do tipo é debatida previamente com os funcionários.
“O IBGE, após realizar a maior consulta interna recente da história da instituição, recepciona, em área especial em sua intranet, o conjunto das sugestões apresentadas pelos servidores, que será incorporado em nova proposta a partir do trabalho da comissão de sistematização”, disse a direção, via assessoria de imprensa.
“Na sequência, o Conselho Diretor devolverá para a continuidade do diálogo interno de construção coletiva e progressiva do seu novo estatuto.”
A reação à proposta não ficou restrita ao sindicato nas últimas semanas. Servidoras da Coordenação de Planejamento e Gestão e da Gerência de Estruturas e Modelos Organizacionais do IBGE produziram uma nota técnica de 25 páginas na qual contestaram diferentes pontos do projeto.
O texto afirma que a minuta elaborada pela direção não havia contado com a “avaliação técnica da área competente”.
Também pediu a apresentação de documentos para a formação de um “amplo debate institucional”. A coordenadora Dione de Oliveira, uma das servidoras que assinaram a nota técnica, entregou o cargo.
“De forma geral, os servidores não têm oposição a alguma mudança no estatuto, mas desde que isso seja avaliado de forma mais ampla. A forma como está, deixando tudo em aberto, acentua as tensões que já existem no IBGE”, diz Bruno Perez, diretor da Assibge.
Os funcionários vêm cobrando da direção maior participação nas decisões que impactam o dia a dia do órgão.
No início de setembro, a associação sindical afirmou que a minuta de revisão do estatuto havia sido apresentada de forma vaga, em um vídeo sem abertura de fala ou chat para servidores.
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Pochmann chegou ao instituto em agosto de 2023.
Os primeiros protestos contra a sua gestão ocorreram em setembro do ano passado, após a divulgação do projeto de criação de uma fundação de direito privado, a IBGE+.
A iniciativa, chamada de IBGE paralelo pelos críticos, foi suspensa em janeiro de 2025. Servidores reclamaram da falta de diálogo na elaboração da proposta.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em julho deste ano, Pochmann afirmou seguir em busca de transformações no órgão oficial de estatísticas do país. “Agora, não há transformação sem resistência”, disse na ocasião.
Um dos principais projetos do economista é a construção do Singed (Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados). Essa proposta prevê a atuação do IBGE como coordenador de informações no país, integrando bases de diferentes órgãos.
O instituto, porém, convive com incertezas quanto à realização de pesquisas tradicionais, como o Censo Agropecuário. A indefinição sobre o cronograma desse trabalho ocorre em um cenário de restrição orçamentária.