CRISTINA CAMARGO
SÃO PAULO
Criação foi atravessada por tentativa de desocupação de teatro Método criado pela artista serve como base da montagem
(FOLHAPRESS) Em 06/10/2025 10h00
Maria Bruaca, personagem interpretada por Isabel Teixeira no remake de “Pantanal”, aparece de forma indireta na peça “Elã”, em cartaz do Sesc Pompeia, em uma parceria da atriz e diretora com a Cia. Mungunzá.
Ela é citada por Oswaldo do Morango (Marcos Felipe), um dos protagonistas da encenação, que sonha em ter a diretora renomada na condução de uma montagem teatral e é ignorado. “Vendida para a Globo”, grita o comerciante de frutas de Atibaia, ao esgotar as possibilidades de contato com a artista. Diz, ainda, que ela imitou Ângela Leal, a Bruaca da primeira versão da novela, e apela, dizendo “volta para a base”.
A base, no caso, é o teatro onde Isabel Teixeira construiu sua carreira antes de fazer sucesso nas tramas globais, e a volta aconteceu na vida real, com a peça de grupo que ela aceitou dirigir, em um processo colaborativo ao lado dos sete integrantes da Cia. Mungunzá e da professora aposentada Dilma Correa, convidada para o trabalho.
Cia. Mungunzá em ensaio fotográfico para a peça ‘Elã’ Roberto Setton/Divulgação Sete pessoas posam juntas em ambiente interno com parede de madeira ao fundo e cadeiras vermelhas empilhadas nas laterais. Quatro estão sentadas no chão e três em pé atrás, com roupas variadas que incluem regata branca, blusa preta transparente, vestido preto, regata verde e roupa dourada. Expressões faciais são neutras e o grupo está próximo, com alguns braços apoiados nos ombros uns dos outros. **** Antes de estrear, “Elã” já tinha um lugar garantido na história do teatro paulistano. Após a temporada no Sesc Pompeia, o espetáculo será o último a ser apresentado no Teatro de Contêiner, na Luz, sede da Mungunzá prestes a ser desalojada pela Prefeitura de São Paulo.
A companhia deve ser transferida para outro espaço, mas não há como negar o simbolismo de uma etapa encerrada na região, há décadas tomada pela cracolândia –cuja concentração também desapareceu, sem explicação.
A resistência do grupo, que ocupou um terreno municipal e construiu o Teatro de Contêiner em 2017, aparece de forma metafórica na peça, como um apelo pela continuidade da arte no contraponto ao cenário distópico do centro de São Paulo e de tantos outros lugares do mundo em guerra permanente.
Galeria Estreia do espetáculo Espetáculo com direção de Isabel Teixeira e produção da Cia. Mugunzá https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1844692291721609-estreia-do-espetaculo-ela-no-sesc-pompeia *** Mas, além disso, a ação municipal contra a permanência do teatro atravessou os ensaios para o espetáculo de forma bem real. Teixeira estava no Contêiner no dia em que a Guarda Civil Metropolitana tentou retirar membros do coletivo e da ONG Tem Sentimentos de um prédio anexo.
Ela olhou para fora e viu artistas sendo carregados por guardas, em cena que rapidamente chegou às redes sociais e mobilizou a classe teatral. Entre uma assembleia e outra sobre a desocupação, o processo criativo seguiu em frente e o confronto não é citado diretamente no espetáculo.
“Elã” foi construída como uma teia com oito histórias criadas pelos integrantes do elenco a partir do método “A Escrita na Cena”, desenvolvido pela diretora desde 2008.
São elas a história de um andarilho dentro de um jogo de videogame; a de um ator/vendedor de morangos que tenta convencer a diretora famosa a dirigir seu próximo espetáculo; a de uma mãe que entra na peça do filho e, aos poucos, se libera do papel que ele tenta impor; a de uma mulher que mata a família para realizar o sonho de ser cantora de boate; a de outra mãe que retoma o poder feminino e a sexualidade; a de um empreendedor da morte; a de uma mulher-aranha que tece o destino do mundo e a de um homem-bomba que estimula a filha a mudar a forma de olhar o mundo.
“As histórias são um exercício de fabulação. Fabular é algo inerente a qualquer ser humano”, diz Teixeira.
A atriz Sandra Modesto, da Cia. Mungunzá Roberto Setton/Divulgação Mulher de cabelos ruivos cacheados está deitada de lado sobre uma caixa preta de equipamento, apoiando a cabeça com a mão direita. Ela veste meia-calça preta com estrelas, shorts rosa, casaco preto aberto e botas claras. Ao lado dela há algumas flores e uma almofada vermelha. Ao fundo, há várias cadeiras empilhadas e uma parede escura com estruturas metálicas. **** Um produto editorial, “O Livro de Linhas”, foi lançado junto com a estreia da peça e fez parte da criação do espetáculo. A diretora e os atores iniciaram a aproximação durante um processo de imersão no Ateliê do Velho Livreiro, em São Bento do Sapucaí, com todos dedicando-se ao trabalho de encadernação artesanal.
A Cia. Mungunzá e a diretora partiram do argumento “linhas e fronteiras” e do desejo de explorar limites pessoais e artísticos.
De acordo com o método “A Escrita na Cena”, todo ator é também um escritor, por meio do corpo e da voz. Improvisos filmados são transcritos e recebem devolutivas provocativas da diretora, também gravadas e transcritas. “A repetição do ciclo cria uma espiral de escuta, resposta e invenção”, diz Teixeira.
A artista usou o método com Mateus Solano na peça “O Figurante”, estimulando o ator a explorar a criatividade em seu primeiro monólogo, que esteve em cartaz no começo do ano na capital paulista.
Em seu repertório recente, tem também “Jandira – Em Busca do Bonde Perdido”, o último texto de Jandira Martini, morta no ano passado, para o teatro, com direção de Marcos Caruso. O encontro artístico com Caruso é um dos frutos da recente história do sucesso dela na TV. “Deu match”, ela brinca. A atriz gostou da televisão e vice-versa.
Galeria Prefeitura inicia despejo do Teatro de Contêiner GCM desocupou na noite de terça (19) prédio ao lado do Teatro de Contêiner também usado pela companhia teatral https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1840988928510344-prefeitura-inicia-despejo-do-teatro-de-conteiner *** Os anos de experiência na companhia teatral dirigida pela brasileira Christiane Jatahy, que inclui o uso de câmeras em seus espetáculos, facilitaram o percurso da intérprete da Bruaca.
Além disso, a atriz observou e assimilou a paixão televisiva de atrizes como Adriana Esteves, com quem contracenou na novela “Amor de Mãe”, e se entregou à labuta, com a intensidade que marca sua personalidade. “Não tenho medo de trabalho”, afirma.
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