SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A economia norte-americana perdeu ímpeto sob o presidente Donald Trump, mas o emprego ainda mostra alguma resiliência devido a uma disrupção na oferta de mão de obra dos imigrantes.
Após crescer 2,8% em 2024, o PIB (Produto Interno Bruto) do país deve desacelerar para 1,8% neste ano, segundo previsões de mercado e de órgãos internacionais. Em dezembro, antes da posse do republicano e da imposição de tarifas, havia expectativa de crescimento de até 3%.
A perda de ritmo na maior economia do mundo -US$ 29,2 trilhões (US$ 2,2 trilhões no Brasil)- ocorre em meio a pressões inflacionárias persistentes, sobretudo no gigantesco setor de serviços, que representa quase 80% do PIB.
Em agosto, enquanto a inflação geral anual foi de 2,9%, ela rondava 3,6% nos serviços (exceto energia) e 3,2% no setor de alimentos. A meta perseguida pelo Fed, o banco central americano, é 2% ao ano.
A questão central hoje não é quando a inflação cairá, mas se ela voltará a subir antes que o crescimento desacelere decisivamente. Isso pode colocar em xeque a intenção do Fed de seguir baixando os juros até 2026. Em setembro, a taxa foi reduzida em 0,25 ponto, para uma banda entre 4% e 4,25% anuais -mas Trump pressiona o Fed para que acelere os cortes.
As duas políticas mais agressivas do republicano neste início de mandato -tarifas e perseguição a imigrantes- estão diretamente relacionadas ao quadro de incerteza.
Para Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, muitas empresas estão diminuindo margens de lucro para absorver o impacto das tarifas, mas isso teria um limite.
“Com o tempo, todos começarão a repassar custos, que aparecerão nos preços. Isso provavelmente elevará a inflação para 3,5% ou 4% no final deste ano. Há um debate sobre o quanto o Fed deveria se incomodar: por um lado, [o impacto] seria temporário e eles não deveriam se importar; por outro, estão preocupados com sua credibilidade após permitirem a grande inflação pós-pandemia”, diz.
Professor em Harvard, o economista afirma que o Fed poderá optar por apenas mais um corte nos juros neste ano “por razões políticas”. Ele diz que a economia terá de desacelerar para conter os preços, mas não vê chance de recessão nos próximos meses.
Enquanto o choque tarifário encarece produtos e matérias-primas importados, o combate à imigração reduz a oferta de mão de obra, distorcendo o mercado de trabalho.
Segundo o Fed regional de São Francisco, os EUA terão saldo positivo líquido entre entradas e saídas de apenas 1 milhão de imigrantes neste ano -1,6 milhão e 2,6 milhões a menos que em 2024 e 2023, respectivamente. Entre 2022 e 2024, os imigrantes contribuíram com mais da metade do total de novos trabalhadores.
A diminuição dessa oferta de trabalho, segundo o IIF (Instituto de Finanças Internacionais, que reúne 400 instituições financeiras), cria a ilusão de que o mercado laboral está aquecido, mas o que falta são pessoas para preencher vagas.
Isso ocorre principalmente em estados dependentes de imigrantes, como Califórnia, Texas, Flórida e Nova York. Neles, a taxa de desemprego está menor que em estados menos dependentes da imigração. Enquanto o aumento salarial diminui em nível nacional, há aceleração nas regiões dependentes de imigrantes.
Para Marcello Estevão, diretor-gerente do IIF, essa fragmentação implica que o Fed precisa interpretar os agregados nacionais com cautela, pois a taxa de desemprego geral (4,3% em agosto) pode indicar um mercado de trabalho mais frágil do que se supõe.
“O ponto é que há fraqueza suficiente no emprego e no crescimento deste ano, que vai impor disciplina na formação de preços. O choque das tarifas pode até ser limitado sobre a inflação, mas ainda assim obrigará o Fed a uma calibragem paulatina [no corte de juros]”, diz. O IIF prevê crescimento entre 1,4% e 1,5% neste ano, metade da evolução do ano passado.
José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e pesquisador do Ibre-FGV, concorda que a inflação segue pressionada, o que poderá atrapalhar o plano do Fed de cortar juros. Ele põe em dúvida, porém, a dimensão da desaceleração.
Senna afirma que um dos principais indicadores observados pelo banco central dos EUA são as Vendas Finais para Compradores Domésticos, que destaca gastos e investimentos de residentes e empresas, deduzindo a variação de estoques privados.
Após desaceleração entre janeiro e março frente às incertezas com a chegada de Trump, o indicador subiu 2,9% anualizados no segundo trimestre, próximo à média de 3% observada em 2023 e 2024 -quando a inflação fechou em 3,4% e 2,9%, respectivamente.
“Por enquanto, a desaceleração não é significativa, e o Fed precisará manter a preocupação com os preços”, diz.
Apesar dos ventos contrários de curto prazo, a economia dos EUA continua ostentando vantagens estruturais. Neste ano, o trabalhador americano médio deve gerar cerca de US$ 171 mil em produção, em comparação com US$ 120 mil na zona do euro e US$ 96 mil no Japão (considerando a paridade de poder de compra).
Apesar da expectativa de crescimento menor, o mercado de ações também segue batendo recordes, mas pode haver distorção pelo peso e valorização das empresas de tecnologia. Hoje, as sete maiores companhias do ramo nos EUA valem juntas mais do que as bolsas de valores de Reino Unido, Canadá, Alemanha e Japão combinadas.