SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2024, o pastor André Valadão fez um apelo a pais cristãos: “Se a faculdade vai acabar com a vida do teu filho, não manda ele para a faculdade”.

Para o líder da Igreja Batista da Lagoinha, melhor seria “vender picolé na garagem” do que circular pelo ambiente universitário -visto por ele como um antro de perdição, onde alunos correm o risco de “ir para o inferno”, e alunas, em particular, de “virar uma vagabunda”, e não “mulher digna de família”.

Se para Valadão o campus é território hostil, para outros grupos evangélicos é justamente ali que a batalha espiritual deve acontecer. Em vez de afastar os jovens da vida acadêmica, veem a universidade como espaço de disputa simbólica e política. E não cabe apenas preservar a fé de quem já crê, mas ganhar novos convertidos.

Nos últimos meses, viralizaram nas redes sociais amostras desse ímpeto missionário. Boa parte foi protagonizada pelo Aviva Universitário, que costuma reunir centenas em instituições públicas como USP e UFRJ.

O fundador do Aviva, Lucas Teodoro, pregou em agosto na Uerj, a universidade estadual do Rio. Saudou “uma geração tão cheia da presença de Deus” e preconizou: “Ei, deixa eu te falar uma coisa, você vai fazer a diferença em todos os lugares onde Deus se coloca, porque é impossível andar com Jesus e permanecer do mesmo jeito”.

O Aviva também foi à Universidade Federal do Pará. A legenda se sobrepõe a imagens de uma multidão clamando por Deus: “Isso se chama fome”.

“Há muitos alunos passando por depressão, ansiedade, problemas em casa. Quando percebemos multidões deles chegando, notamos muita fome pela palavra de Deus”, diz Lucas à reportagem. “Isso acontece pois não somos um grupo político ou que fala sobre alguma ideologia do tipo. Somos apenas universitários falando sobre um Jesus bíblico.”

Isso é a teoria. Na prática, a presença dessas missões evangelizadoras nos campi municiam as guerras culturais que polarizam a sociedade. O próprio Aviva entrou na berlinda após ser impedido de promover um ato dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Várias igrejas saíram em defesa do movimento na ocasião. A Unigrejas, braço institucional da Universal do Reino de Deus, foi uma delas.

O bispo Celso Rebequi, presidente da entidade, evoca a “liberdade religiosa” para cobrar o direito “de proselitismo”. Se estamos num “Estado laico colaborativo”, não haveria por que a universidade “negar o uso do anfiteatro para a manifestação da fé evangélica de seus alunos”, ele argumenta.

A reitora da instituição, Marcia Barbosa, rejeita a ideia de perseguição contra uma crença. A UFRGS exige que todos os grupos que desejam realizar eventos ou manifestações, inclusive de cunho religioso, sigam protocolo para garantir a segurança das pessoas e do patrimônio público, diz. As regras pedem vinculação a uma unidade ou projeto acadêmico, para ter quem responsabilizar por eventuais incidentes. “Eles não cumpriam isso e não quiseram entrar nos editais de aluguel dos nossos espaços.”

Ainda que discorde do antídoto proposto, Jossy Soares concorda com o diagnóstico de André Valadão -para ele, o campus não é acolhedor para a juventude cristã.

Soares dirige o Ministério Universitário Chi Alpha Brasil, ligado à Assembleia de Deus e que tem por propósito “edificar a vida dos estudantes dentro da cosmovisão bíblica”. As letras chi e alpha, no alfabeto grego, são as iniciais para Embaixadores de Cristo.

“É inegável que há uma resistência, declarada ou velada, a tudo o que se relaciona com Cristo”, afirma. Mais especificamente o “Jesus da Bíblia” acaba sendo rejeitado, porque haveria brecha para uma interpretação bíblica mais alinhada à esquerda, segundo Soares. “Tem que ser um Jesus pela lente progressista ou do humanismo.”

Ele vê “uma mão espiritual invisível conduzindo o mundo inteiro para odiar Jesus”, daí a necessidade de ficar vigilante. “Muitos acham que estão na faculdade só para estudar. Nossa visão é que devemos honrar a Cristo em qualquer situação. Sendo um excelente aluno, um bom pesquisador. Apóstolo Paulo falou assim: que comamos, que bebamos, que façamos qualquer outra coisa, faça-se tudo para a glória de Deus.”

Para Liniker Xavier, doutor em ciências da religião pela Universidade Católica de Pernambuco, o crescimento evangélico no país “produziu a necessidade dessa população de ocupar novos espaços de sociabilidade”, e também a universidade “passou a ser vista como fronteira missionária”.

Há tensões entre esses grupos e o espaço universitário, sobretudo em cursos das ciências humanas, “onde setores acadêmicos enxergam essas missões como tentativa de evangelização num espaço que deveria preservar o pluralismo”.

A retórica da perseguição, segundo Xavier, pode ser bastante útil para “mobilizar o imaginário religioso de guerra espiritual, porque cria-se a ideia de que a juventude cristã, ao entrar na universidade, estaria se expondo a um ambiente hostil”.

E não seria apenas uma questão de ter fé ou não ter. Essas redes evangélicas, num contexto de polarização política, conseguem atrair jovens que não possuem filiação religiosa definida ou que pertencem a tradições menos politizadas. Acabam seduzidos pela possibilidade de vestir a camisa de um “time” ideológico, diz o pesquisador. O campus vira, assim, um campo de batalha espiritual.