SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pela primeira vez realizadas na América do Sul, as finais do GCT (Grand Chess Tour), circuito internacional de xadrez fundado em 2015 pelo ex-campeão mundial Garry Kasparov, consagraram o norte-americano Fabiano Caruana, 33, atual terceiro colocado do ranking mundial.

Na decisão da edição de 2025 realizada na sexta-feira (3) no centro de eventos WTC, em São Paulo, o Grande Mestre -título mais alto na hierarquia dos jogadores da modalidade- dos Estados Unidos superou Maxime Vachier-Lagrave, 34, francês que ocupa o posto de 17º no ranking da Fide (Federação Internacional de Xadrez).

Pela vitória, Caruana levou para casa uma premiação de US$ 150 mil (R$ 780 mil), enquanto as finais distribuíram um total de US$ 350 mil (R$ 1,9 milhão).

O Grand Chess Tour de 2025 contou com etapas preliminares na Polônia, na Romênia, na Croácia e nos Estados Unidos, com os melhores classificados ao longo da competição indo à final.

As finais do torneio na capital paulista reuniram também o indiano Praggnanandhaa Rameshbabu, 5º do ranking mundial, derrotado por Vachier-Lagrave nas semifinais, e o armênio Levon Aronian, 23º do mundo, que perdeu para o campeão.

Mais jovem enxadrista a alcançar o título de Grande Mestre nos Estados Unidos, quanto tinha apenas 14 anos, em 2007, Caruana mostrou surpresa com o tamanho do público brasileiro que acompanhou a competição em São Paulo.

“Acho que é a maior multidão que já vi em praticamente qualquer evento, fora, talvez, do Campeonato Mundial”, afirmou o campeão.

Levon Aronian concordou. “O público é muito ativo e atencioso”, disse o jogador armênio, que venceu o indiano Praggnanandhaa para garantir o terceiro lugar.

Quatro vezes campeão norte-americano, Caruana afirmou após a vitória que o confronto contra Vachier-Lagrave foi travado predominantemente sob o aspecto mental.

“Não foi tanto sobre estilos, mas sim sobre espírito de luta e psicologia”, afirmou o enxadrista, que precisou se superar ao conseguir a vitória contra o adversário após estar em desvantagem durante a série de partidas, que contou com jogos rápidos [de menor intervalo entre as jogadas] e de estilo clássico.

O torneio na zona sul da capital paulista, que começou oficialmente no dia 28 e contou com uma série de eventos paralelos para os fãs da modalidade, teve os ingressos esgotados. A final registrou cerca de 74 mil pessoas assistindo simultaneamente online, segundo a organização.

A quantidade de público também superou as expectativas da organização do evento. “Pessoas vieram dos quatro cantos do país para assistir”, comemorou Davy D’Israel, 68, fundador da Xeque & Mate, empresa promotora de eventos da modalidade que negociou com os organizadores e patrocinadores do GCT -Saint Louis Chess Club e Superbet Foundation- a vinda das finais para o Brasil.

O executivo creditou parte do aumento de interesse pelo jogo de tabuleiro aos conteúdos publicados nas redes sociais por influenciadores e à série “O Gambito da Rainha”, da Netflix, que fez o número de usuários em aplicativos de xadrez “triplicar ou quadruplicar” no Brasil, estimou.

D’Israel também celebrou a grande presença de público nos torneios paralelos realizados durante a semana, como as disputas infantis e voltadas a jogadores amadores. “Tivemos 200 crianças [no torneio infantil], e poderia ter tido 500 [pelo tamanho da demanda]”, afirmou o organizador, que esbarrou em limitações logísticas de espaço e horário para acomodar mais pessoas.

DESIGUALDADE DE GÊNERO E FALTA DE ÍDOLOS SÃO APONTADAS COMO BARREIRAS

Durante o evento, o tema da busca por maior igualdade de gênero no esporte foi levantado por alguns dos participantes.

A Grande Mestre ucraniana Anastasiya Karlovich, 43, apontou a discrepância de participação de mulheres nos torneios como um obstáculo ainda a ser superado pela modalidade para que ela possa se tornar mais popular junto ao grande público.

“Ainda temos menos meninas e mulheres jogando do que homens. Costuma ser uma mulher para cada dez homens”, afirmou Anastasia, que veio ao Brasil para acompanhar as finais como jornalista do evento.

Ela defendeu a criação de mais eventos exclusivamente femininos e de centros de referência como caminhos para incentivar uma maior participação das mulheres no esporte.

D’Israel avaliou que o xadrez ainda carece de um grande ídolo nacional para deslanchar no Brasil. “Se tivermos no xadrez uma criança que se destaque, que ganhe um título mundial, todo mundo vai querer jogar”, disse ele, comparando com o impacto da era Guga Kuerten, e agora de João Fonseca, no tênis brasileiro.

O organizador assinalou que o país conta com 14 jogadores com o título de Grande Mestre, mas que eles têm de conviver com a falta de reconhecimento do público e de apoio. “Nenhum tem patrocínio. E quando eles querem evoluir para um nível melhor, são obrigados a ir para a Europa”, afirmou.