BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – “Uma floresta de regras e regulamentos.” A descrição do site conservador é ilustrada com um machado sobre uma pilha de papel. Enfim Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, cumprirá sua promessa de campanha: acabar com o “red tape”, a burocracia paralisante que contamina a competitividade no continente. Esqueceram porém de combinar com os ambientalistas.

Maior iniciativa do continente depois, é claro, do enfrentamento à Rússia, questão existencial para o bloco desde o início da guerra da Ucrânia, em 2022, a “simplificação” de procedimentos virou um palavrão à esquerda e à direita do espectro político europeu.

O termo cunhado por Von der Leyen abrange grande parte dos setores regulados por Bruxelas: meio ambiente, agricultura, defesa, serviços financeiros, produtos químicos, inteligência artificial e transporte. Legislação normalmente rigorosa e que, na maioria dos casos, se transformou em uma espécie de padrão-ouro no restante do planeta.

É o caso sobretudo do arcabouço ambiental, que começava a estender sua musculatura sobre outros pontos do planeta, como ocorre ou deveria ocorrer com a lei antidesmatamento, que bane a importação de commodities relacionadas a áreas desflorestadas ilegalmente.

Aprovada em 2024, já teve sua implementação atrasada duas vezes, a última no mês passado. Jessika Roswall, comissária para Meio Ambiente da UE, alegou problemas de TI para adiar a legislação, baseada em extenso monitoramento e auditorias ainda em busca de um padrão. O braço europeu do WWF fez piada e comparou a alegação com a clássica desculpa de aluno para professor de que o cachorro comeu a lição de casa.

Cortar o “red tape”, porém, é mais do que adiar regras. O objetivo é cortar custos administrativos em 25% no âmbito geral, 35% para pequenas e médias empresas, até o fim deste segundo mandato de Von der Leyen, em 2029. Estima-se uma economia de EUR 37,5 bilhões (R$ 230,1 bilhões) anuais e, mais do que isso, melhores condições para enfrentar concorrentes americanos e asiáticos, muito menos regulados.

Organizações de direitos civis e até empresas, no entanto, apontam riscos na estratégia: enfraquecimento das leis de proteção ambiental, social e de saúde pública, além de acabar premiando companhias que normalmente contornam as iniciativas de sustentabilidade. A plena implementação das regras atuais, por outro lado, seria capaz de gerar uma economia de EUR 180 milhões (R$ 1,11 bilhão) em custos de saúde e danos ambientais, afirmam os ambientalistas.

Em um plano mais amplo, o projeto capitaneado por Bruxelas posterga, na avaliação das ONGs, ações urgentes no enfrentamento da crise climática, com eventos extremos cada vez mais evidentes. A Europa, apontam vários estudos, é o continente que sofre o aquecimento mais rápido no planeta.

“As leis europeias sobre natureza têm impacto real, promovem inovação e segurança jurídica. Precisamos de aplicação e execução mais rigorosas, não de desmantelamento ou enfraquecimento. Ao minar estas leis, a UE não só desafia a vontade de seus cidadãos, como também coloca em risco a saúde pública e o futuro do continente”, escreveram em manifesto uma coalizão de entidades ambientais reunidas sob o slogan #HandsOffNature.

Na quarta-feira (1°), o grupo usou um ônibus vermelho de dois andares para entregar uma petição assinada por 200 mil pessoas contra a “simplificação” no prédio da Comissão Europeia, em Bruxelas. O veículo era uma referência à legislação “omnibus”, mecanismo que abre leis existentes da UE e elimina tudo o que for considerado excessivamente oneroso.

O dispositivo acelera reformas no cenário normalmente complexo das leis europeias, com 27 países-membros e várias instâncias de discussão. “Precisamos facilitar a realização de negócios na Europa, a inovação e a adoção das tecnologias mais recentes”, justificou Von der Leyen no ano passado.

A iniciativa da conservadora alemã tem apoios de peso. Além de grandes empresas, lobistas e fazendeiros, os governos francês e alemão são entusiastas da medida. Além da estagnação econômica, há uma evidente preocupação política com a ascensão da extrema direita em diversos países, que acena não com uma desburocratização controlada, mas com uma desregulação generalizada.

Na Alemanha, Friedrich Merz já se posiciona até contra o fim dos motores a combustão em carros de passeio, previstos para 2035. A CDU, o partido conservador do primeiro-ministro, está a três pontos percentuais da AfD nos levantamentos de intenção de voto. O populismo da legenda de extrema direita vai longe, a um nível Donald Trump, com promessas retrógradas e anticientíficas, como acabar com torres eólicas e reabilitar usinas a carvão. O cálculo político do primeiro-ministro parece evidente.

Alvo de moções de censura no Parlamento Europeu, Von der Leyen não apanha apenas de ambientalistas. Desde o mês passado, acumula constrangimentos, como não conseguir apresentar as NDCs, contribuições nacionalmente determinadas previstas pelo Acordo de Paris, na Assembleia Geral da ONU; ou ouvir de gigantes de alimentos como Nestlé e Ferrero que o novo adiamento da lei de desmatamento “coloca em risco a preservação das florestas em todo o mundo, acelera os impactos das mudanças climáticas e prejudica a confiança nos compromissos regulatórios da Europa”.

Em recente comunicado, a Agência Ambiental Europeia alertou que os esforços da UE contra o aquecimento global precisam “dobrar a aplicação de políticas de sustentabilidade de longo prazo acordadas no Plano Verde Europeu”. O Plano Verde foi a grande plataforma de Von der Leyen em seu primeiro mandato.