BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O controle da produção e distribuição de bebidas no Brasil passa pelo governo federal e é acompanhado na ponta, como em bares e restaurantes, por órgãos de estados e municípios.

A discussão sobre as responsabilidades na fiscalização se intensificou após a confirmação de intoxicações por metanol presente em bebidas alcoólicas. Os governos Lula (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegaram a trocar farpas nos bastidores sobre o caso.

A Lei 8.918/94 divide responsabilidades entre o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) e órgãos do SUS (Sistema Único de Saúde) na fiscalização das bebidas. Já o Decreto 6.871/2009, que regulamenta a lei, dá maior protagonismo para a Agricultura nas atividades de controle dos estabelecimentos que produzem e comercializam os produtos.

Ex-diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o advogado Jaime César Oliveira afirma que o MAPA pode delegar responsabilidades de fiscalização a órgãos de estados e municípios, mas sem “transferir as obrigações”. Nos pontos de venda, como bares e distribuidoras, a fiscalização ganha reforço de órgãos locais com poder de polícia.

“A partir do momento em que essas bebidas chegam no consumidor, entram outros órgãos que fiscalizam o atendimento à legislação do consumidor e à legislação de saúde que é aplicada nos pontos de venda, que aí são Procons e a vigilância sanitária [dos municípios]”, afirma Oliveira.

Para o ex-diretor da agência sanitária, o controle da cadeia produtiva e de comércio “não está gerando confiança e tampouco informação suficiente”. “As autoridades especialistas estão basicamente transferindo para o consumidor a responsabilidade de saber o que está tomando. Não tem o menor cabimento.”

Na quinta-feira (2), o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), disse que as ações preventivas de fiscalização de bebidas são feitas regularmente.

“A gente está vivendo uma situação anormal. São criminosos que romperam com todas as ações que os governos federal, estaduais e municipais já fazem de fiscalização. A área de agricultura faz todo o processo de fiscalização, da produção, dos lacres, e tem criminosos que romperam com esses processos”, disse Padilha.

Em nota, o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) disse que realiza ações de fiscalização em fabricantes e distribuidores de bebida relacionadas às suspeitas de intoxicação por metanol, em conjunto com a Polícia Federal e a Polícia Civil.

Na terça-feira (30), o governador de São Paulo disse que apenas em setembro foram feitas 43 mil fiscalizações no estado de São Paulo. Ainda citou a apreensão de 50 mil garrafas com suspeita de adulteração e de 15 milhões de selos fraudados.

Ele também afirmou que não há “evidência nenhuma da participação do crime organizado” nas adulterações. Horas antes, o governo Lula havia anunciado que a Polícia Federal apurava o envolvimento do crime organizado.

Tarcísio também afirmou que a instrução normativa RFB 1.673/2016, publicada pela Receita Federal, fragilizou o controle sobre a área de bebidas do Brasil, com a retirada da obrigatoriedade dos selos.

Em nota publicada na quarta-feira (1º), a Receita disse que é falsa a correlação entre a ação criminosa de adição do metanol em bebidas destiladas com o desligamento do sistema de monitoramento denominado Sicobe (Sistema de Controle de Produção de Bebidas). “O controle de destilados, como vodca, gin, uísque, é usualmente feito pela utilização de selos, impressos pela Casa da Moeda e aplicados nas tampas das garrafas, e que não têm relação, nem se confundem com o Sicobe.”

A Receita disse que o Sicobe era um sistema para acompanhar, por meio de máquinas instaladas nas fábricas, a quantidade exata de cervejas, refrigerantes e águas produzidas, além do tipo de produto, da embalagem e da marca. “É importante lembrar que o Sicobe não avaliava a qualidade das bebidas, apenas media o volume produzido”, disse o órgão.

Ex-diretor da Anvisa, Oliveira afirma que a agência sanitária lida com aspectos de composição das bebidas, como o tipo de aditivo que pode ser utilizado, enquanto o decreto de 2009 é assertivo ao delegar ao MAPA a inspeção dos locais de fabricação, distribuição e importação.

“Então, existe toda uma estrutura que deveria estar operando, inclusive de forma permanente e rotineira, não só quando existe uma denúncia, e que não tem operado aparentemente de forma confiável. Chegar ao ponto de dizer para o consumidor fazer esse tipo de verificação evidencia que o Estado está falhando gravemente”, disse Oliveira.

Para o advogado, toda a cadeia de produção e venda das bebidas deveria se sentir permanentemente vigiada. “Sem essa sensação de vigilância permanente, eles são muitas vezes, tentados a admitir a entrada na cadeia de produtos que não são produzidos por empresas formalizadas. E essa sensação de monitoramento e de fiscalização, aparentemente, ninguém está tendo.”