BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A aprovação de um candidato no 42º exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), obrigatório para quem quer exercer a advocacia no país, colocou a instituição em uma situação inédita descrita como “juridicamente delicada, histórica e sociologicamente sensível”.
Jorge Eduardo Naime Barreto recebeu o certificado de aprovação no Exame de Ordem em 28 de março e formalizou o pedido de inscrição três dias depois. Enviou os documentos pessoais, o histórico escolar de bacharel em Direito, concluído em 2001, e a certidão negativa de antecedentes criminais.
Como a advocacia é vedada para policiais militares da ativa, encaminhou também a publicação no Diário Oficial do Distrito Federal de maio do ano passado que confirmou sua transferência para a reserva remunerada da Polícia Militar do DF, em que chegou à patente mais alta, de coronel.
Desde então, a carteirinha da OAB esbarra em um ponto que não aparecia no regulamento geral. Ex-coordenador do Departamento Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal, Naime é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) pelos ataques golpistas de 8 de Janeiro de 2023.
A saga do coronel pelo registro começou a ganhar corpo em abril, quando a Comissão de Seleção da Seccional do Distrito Federal pediu os processos em que ele figura como parte.
Naime enviou uma carta para a OAB em que informava ser parte na ação penal em curso contra sete policiais militares do DF -cujo julgamento já foi adiado três vezes pelo Supremo e ainda não tem nova data.
O coronel disse que é inocente e que, mesmo de licença em 8 de Janeiro, voltou ao trabalho, evitando “o derramamento de sangue” ao assumir o controle das tropas da PM -de acordo, argumentou ele, com o regulamento geral da OAB, a Constituição, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis e a rapida administraçao da justiça.
“Sua atuaçao jamais atentou contra a democracia e nao violou qualquer princípio etico ou jurídico, ao contrario, reafirmou seu compromisso com o Estado Democratico de Direito e com os valores republicanos, consagrando-o como polícia de Estado e não de governo”, escreveu.
Em maio, porém, a Comissão de Seleção afirmou que a situação era excepcional, admitiu que não conseguia decidir sobre o pedido e acionou o Conselho Pleno da Seccional do Distrito Federal.
O parecer assinado pelo relator Gabriel de Sousa Pires afirmou que “o requerente apresentou toda a documentação necessária à instrução regular do pedido” e que “não há nos autos notícia de qualquer condenação criminal transitada em julgado, prevalecendo, portanto, a presunção de inocência”.
Apesar disso, disse que, por conta da ação relacionada ao 8 de Janeiro, o caso “envolve matéria de elevada complexidade e repercussão institucional” e exige “interpretação prudencial do requisito da idoneidade moral” previsto no Estatuto da Advocacia.
“A idoneidade moral, como sabido, é um conceito jurídico indeterminado, de natureza valorativa, que deve ser aferido com base em critérios objetivos, mas também sob perspectiva ética e institucional. Sua análise demanda, em situações excepcionais como a dos autos, deliberação do órgão colegiado máximo da Seccional”, diz o parecer obtido pela reportagem.
“Trata-se de caso juridicamente delicado, histórica e sociologicamente sensível, cujo exame exige maior amplitude institucional, sobretudo diante da ausência de precedente similar no âmbito desta Comissão.”
A esposa do coronel da reserva, Mariana Naime, afirma que a OAB ignora o princípio da presunção de inocência previsto na Constituição. Mariana diz que o pedido tem sido protelado sem justificativa clara e impedido o marido de reconstruir a vida profissional.
“Apesar de ter sido regularmente aprovado no Exame de Ordem, com toda a documentação entregue, sem qualquer condenação penal transitada em julgado e preenchendo todos os critérios previstos em edital, a OAB-DF segue se recusando a entregar sua carteira de advogado -o que o impede de exercer a advocacia e reconstruir sua vida profissional após 32 anos de bons serviços prestado à segurança pública do DF- um direito garantido por lei”, afirma.
“A negativa não possui base legal. Pelo contrário: fere diretamente os princípios constitucionais da presunção de inocência, do livre exercício profissional e da isonomia entre os inscritos. A situação está sendo protelada administrativamente sem justificativa clara, com o processo sendo transferido de setor em setor dentro da instituição.”
Mariana também enviou à reportagem o caso de uma advogada que assinou um acordo de não persecução penal pela participação nos ataques de 8 de Janeiro -reconhecendo, portanto, a prática de crime.
Procurada, a OAB-DF afirmou que o processo de Naime aguarda julgamento pelo Conselho Pleno e que não poderia comentar. A instituição não informou quando pretende julgar o caso.
Naime é um dos sete policiais militares réus pelo 8 de Janeiro. A ação penal, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi adiada três vezes: primeiro em junho e, depois, em agosto, quando entrou e saiu da pauta do plenário virtual duas vezes.