SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jensen Huang, 62, dono de uma fortuna de US$ 164 bilhões (R$ 877 bilhões) segundo a Forbes e fundador da Nvidia, a empresa com maior valor de mercado do mundo, é obcecado pela possibilidade de ir à falência. Um de seus mantras corporativos é: “Nossa empresa está a 30 dias de fechar as portas”.
“Ele acorda todos os dias pensando nisso”, disse em entrevista o jornalista Stephen Witt, autor de “A Máquina que Pensa: Jensen Huang, Nvidia e o Microchip mais Cobiçado do Mundo”, que chegou às livrarias no mês passado.
Não que isso seja lá tão impossível, mesmo para uma companhia avaliada em US$ 4,6 trilhões (R$ 25 trilhões). Witt explica: a inteligência artificial, tecnologia que fez a companhia deixar de ser uma empresa de certo sucesso, focada no nicho de hardware para games, para se tornar uma potência, pode se revelar uma bolha, chegando a um platô de desenvolvimento. Huang teme essa possibilidade, segundo o autor.
Outro pavor do empresário é que a Huawei ou outro fornecedor chinês consiga alcançar a Nvidia como fornecedora de infraestrutura de IA, fazendo com que a empresa deixe de ser protagonista na China. Fator que também poderia fazer as ações da empresa despencarem e é parte da força motriz obsessiva do CEO para se distanciar do fracasso.
Huang, aliás, odeia competição, em um traço que ajuda a explicar o sucesso do empresário, nascido em Taiwan e criado nos Estados Unidos. Desde o início da companhia, no começo dos anos 1990, ele buscou deliberadamente construir ferramentas que o mercado ainda não pedia, com poucos ou nenhum cliente potencial, para garantir que, se a aposta desse certo, a Nvidia fosse a única na raia.
“À medida que desenvolvia essas ferramentas, seu raciocínio era: ‘Se um dia eu conseguir fazer isso funcionar, então seremos o único fornecedor’ “, conta Witt. É o conceito de “mercado de zero bilhão de dólares”, por possivelmente nem existir ainda.
O empresário nunca quis, por exemplo, bater de frente com o gigante Intel, atualmente em apuros. A estratégia era vender produtos alternativos, que a rival não queria fabricar, para clientes que ela não queria atender (no mês passado, a Nvidia anunciou um investimento de US$ 5 bi na Intel, tornando-se uma das maiores acionistas da empresa, que busca se reerguer).
Essa aposta no inexplorado, que pode levar anos para dar resultado, é de alto risco.
O domínio da Nvidia na inteligência artificial é resultado da união estratégica de tecnologias antes desacreditadas: computação paralela (com uma mudança na arquitetura de seus processadores para que a máquina resolva mais de um problema por vez) e redes neurais (tecnologia que imita o desenho do cérebro humano para fazer cálculos estatísticos complexos, que foi testada por décadas, sem funcionar a contento).
Essa estratégia muitas vezes causava embates. Durante uma década, até por volta de 2012, as ações da companhia ficaram estagnadas porque os lucros eram reinvestidos em projetos de longo prazo. Um dos mais polêmicos foi a tecnologia que gerou a plataforma de software Cuda, que consolidou a dominância da empresa no mercado de IA, por facilitar a resolução de problemas complexos pelos programadores.
Os primeiros clientes eram de nichos acadêmicos, sem muita verba, e a adesão à tecnologia foi lenta. Investidores viam o projeto como um ralo de dinheiro que afetava o valor das ações da empresa. Huang chegou a ser alvo de investidores ativistas, que pediam sua saída.
A virada só veio com a inteligência artificial. Em 2012, um grupo de acadêmicos de Toronto usou GPUs (unidades de processamento gráfico) da empresa para treinar uma rede neural chamada AlexNet. O sistema venceu uma competição de reconhecimento de imagem por margem esmagadora, mostrando que a tecnologia da Nvidia era centenas de vezes mais rápida para treinar IA do que os concorrentes.
Depois disso, o empresário decidiu apostar “a empresa inteira” na inteligência artificial. A ação da companhia saiu de cerca de US$ 0,30 em meados de 2012 para US$ 187 agora.
Lidar com o empresário não é fácil, é como “enfiar o dedo na tomada”, afirma um dos executivos no livro. O CEO é venerado pelos funcionários, mas ao mesmo tempo tem acessos de fúria ao cobrar os empregados, com direito a plateia.
“Quando Huang detonava um funcionário, costumava fazê-lo em público, para que os demais aprendessem com a experiência”, conta o livro. O objetivo é “compartilhar o fracasso”. É uma relação que mistura amor, medo e culpa
“Sim, Huang pode ser abusivo”, afirma o autor, que sentiu essa fúria pessoalmente, ao fazer uma pergunta que ligava os possíveis efeitos da IA sobre a sociedade a um cenário de ficção científica.
“Esta empresa não é uma manifestação do Star Trek! Não é isso que estamos fazendo! Somos gente séria, fazendo um trabalho sério. E… é só uma empresa séria, e eu sou uma pessoa séria, fazendo um trabalho sério”, berrou, segundo relato do livro.
O biógrafo considera que a próxima grande fronteira para Huang e a Nvidia é o mercado de robôs. “Ele quer estar no centro da revolução da robótica”, o que inclui construir, treinar e vender o cérebro para essas máquinas: “Ele tem medo de ficar de fora, ele não pode não estar lá”.
Ao contrário de Witt, que teve o receio com a inteligência artificial como um dos motivos para escrever o livro, o dono da Nvidia se irrita com catastrofistas. Ele vê essa tecnologia como uma ferramenta poderosa para o progresso humano, uma nova revolução industrial, e não como uma ameaça à humanidade.
“A tecnologia só processa dados”, diz ele. “Há muitas outras coisas para nos preocuparmos.”
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