SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cillian Murphy, 49, soube muito cedo que não queria ser professor. Filho de dois profissionais da educação, ele entendeu ainda criança que era uma profissão que exigia sacrifícios. “Eu simplesmente não tinha a vocação”, conta ele em bate-papo com a imprensa internacional, do qual o F5 participou.

No filme “Steve”, que estreou nesta sexta-feira (3) na Netflix, o ator irlandês conseguiu experimentar um pouco da rotina dos pais. Ele dá vida ao personagem-título, um professor responsável pelo reformatório de Stanton Wood, habitado por jovens desajustados e problemáticos, considerados pouco aptos a viver em sociedade.

“Suponho que senti que tinha responsabilidade com a comunidade que faz isso de verdade todos os dias, dia após dia”, comenta. “Eles são mal pagos e desvalorizados, mas estão fazendo o melhor trabalho possível. São os guardiões da próxima geração.”

Murphy, que diz até hoje ser abordado nas ruas por ex-alunos de seus pais, conta que nunca tinha refletido adequadamente sobre as dificuldades que eles enfrentaram até se envolver com o projeto. “O filme aumentou massivamente meu respeito por todos os que trabalham no setor”, afirma.

A história do filme é adaptada do livro “Shy” (2023), do autor britânico Max Porter, de quem Murphy se diz amigo -os dois já haviam trabalhado juntos em uma peça de teatro (“Grief Is the Thing with Feathers”) e como curadores de um festival de artes na Irlanda. Na trama, Shy é o nome de um dos alunos de Steve, no filme vivido pelo promissor Jay Lycurgo, de 27 anos.

“Max teve a ideia de adaptar o mundo do livro e fazer a trama a partir da perspectiva conjunta de Shy, o jovem que é o protagonista do romance, e de Steve, que era um personagem muito secundário”, afirma o ator. “A ideia era sobrepor essas duas histórias, já que ambos estão meio que orbitando um ao redor do outro e sem conseguir se conectar ao longo de 24 horas.”

A trama se passa nos anos 1990 e ocorre num espaço de poucas horas, nas quais Steve tenta manter o controle sobre a instituição que comanda, mesmo que tudo pareça conspirar contra ele. Uma equipe de reportagem chega ao local para mostrar como é a rotina dos jovens internos.

“Essas crianças são provavelmente muito mais desafiadoras do que as de escolas convencionais -embora eu ache que há muitos desafios em escolas convencionais também”, compara. “E ainda tem o perigo iminente de a escola ser fechada. Nunca há dinheiro suficiente, nunca há pessoal suficiente.”

Enquanto os funcionários se esforçam para tentar fazer o máximo com o mínimo que recebem, os ânimos e disputas entre os adolescentes eclodem aqui e ali, com cada um lidando com conflitos diversos e uma boa dose de rejeição. Steve, que é uma referência de autoridade ali dentro, também precisa enfrentar os próprios demônios.

O ator diz que, além do exemplo dentro de casa, também teve professores que o inspiraram. “Todos nós tivemos uma dessas experiências -ao mesmos os mais sortudos-, e é por isso que essas histórias continuam sendo contadas”, avalia, citando o clássico “Sociedade dos Poetas Mortos” (1990) como o ápice do “subgênero de histórias entre professor e aluno”. “Esses filmes ressoam porque, esperançosamente, todos nós sentimos isso alguma vez.”

O diretor Tim Mielants, com quem ele já havia trabalhado em “Pequenas Coisas Como Estas” (2024), diz que a escalação do elenco foi trabalhosa, mas rendeu ótimos frutos. Ele conta que viu cerca de 3.500 jovens para escolher os que estariam no filme.

Em vez de simplesmente testá-los atuando, promoveu workshops nos quais improvisou em cima das próprias histórias dos rapazes e explorou os diversos relacionamentos entre eles. “O mais bonito desse projeto é que eles não interpretaram, eles se tornaram os personagens”, elogia.

Lycurgo, que foi escolhido como Shy, conta que ficou animado ao ser aceito para o papel por um motivo bem particular. “Meu pai é professor e trabalha numa dessas unidades educacionais”, afirma o ator, que teve a possibilidade de fazer um ótimo laboratório sem sair de casa.

“Falamos sobre o trabalho dele, sobre a natureza imprevisível do que cada dia pode ser nessas escolas e também sobre os meninos e como suas personalidades costumam ser”, comenta. “Também acabei indo à escola, trabalhando com ele por algumas semanas e vendo o ambiente em que ele vive todos os dias.”

Sobre a reação do pai ao assistir ao filme, ele diz que não poderia ter sido melhor. “Ele disse que estava muito orgulhoso”, contou. “Aparentemente houve algumas lágrimas. Eu vi vários fungados com a pipoca na frente da boca dele (risos). Mas ele disse que era muito preciso. E é incrível eu poder dar evidência ao trabalho dele.”

“STEVE”

Quando Disponível na Netflix

Classificação 14 anos

Elenco Cillian Murphy, Tracey Ullman, Jay Lycurgo, Simbi Ajikawo, Emily Watson e Douggie McMeekin, entre outros.

Direção Tim Mielants