SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O metanol é um subproduto natural da fermentação alcoólica, gerado a partir da degradação da pectina, uma molécula encontrada em maior quantidade em frutas, especialmente nas cascas e polpas, como a uva usada no vinho. Já na cerveja, cereais como a cevada possuem uma quantidade muito baixa dessa substância, o que torna a formação natural de metanol praticamente irrelevante. Mas há risco de adulteração nessas bebidas?

A professora Zila Van Der Meer Sanchez, chefe do Departmento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que “como não há clareza do que está acontecendo, neste momento não considero seguro consumir nenhum tipo de bebida. Se a contaminação for intencional, existe risco inclusive para as bebidas fermentadas”.

Dentro do processo de produção de bebidas alcoólicas, o farmacêutico Rodrigo Catharino, mestre e doutor em Ciência de Alimentos pela Unicamp, explica que “as substâncias pécticas presentes na casca de frutas, quando sofrem a ação de enzimas como a pectinase, podem de fato gerar metanol”.

“No entanto, na cerveja essa possibilidade é praticamente inexistente, pois as matérias-primas utilizadas não fornecem o substrato em quantidades significativas. Mesmo no vinho, quando há boas escolhas de enzimas durante a fermentação, a produção natural de metanol não atinge níveis preocupantes”.

O químico e mestre cervejeiro Tarsis Patini complementa: “A cerveja, na forma como é produzida, não apresenta risco de intoxicação por metanol. Por se originar do malte de cevada, que contém pouquíssima pectina, os níveis gerados são extremamente baixos”.

Em condições adequadas de boas práticas de fabricação —sejam artesanais ou industriais—, vinho e cerveja são bebidas seguras. O perigo maior está nas bebidas destiladas, afirmam os especialistas.

Patini afirma que “durante a destilação, o metanol é o primeiro composto a aparecer, pois tem ponto de ebulição mais baixo. Essa fração, chamada de ‘cabeça’, precisa ser descartada obrigatoriamente. Se isso não acontece, o metanol se concentra no produto final, podendo intoxicar o consumidor”.

O farmacêutico Rodrigo Catharino alerta que, como etanol e metanol são moléculas muito similares da mesma família química, é muito difícil diferenciá-los por cor, sabor ou aroma, especialmente quando estão misturados —mesmo em bebidas em fermentadas.

Ambos destacam a importância de distinguir entre produção artesanal de qualidade e clandestinidade. “As pessoas confundem muito o clandestino com o artesanal, mas são mundos totalmente opostos. Se a empresa tem um processo, tem registro, é fiscalizada e precisa mandar laudos, já é uma garantia de qualidade”, afirma Patini.

Catharino cita ainda que “todo e qualquer produto nunca está livre de contaminação, tanto de origem química quanto microbiológica, mas os riscos são bem estudados e delimitados. Quando observadas as condições de boas práticas de fabricação, não importa se a produção é artesanal ou industrial — haverá segurança e níveis de risco controlados em relação ao metanol”.

Até o momento, foi divulgado que apenas produtos destilados foram adulterados, com base nisso, ele cita que “não temos que nos preocupar ainda com as demais bebidas, até que novas descobertas e evidências sejam analisadas e comprovadas quanto à indústria de adulteração”.

Já a professora Sanchez recomenda evitar o consumo de bebidas em geral até que se tenha uma noção melhor do que está acontecendo. “A minha hipótese é de que se trata de produção ilegal de destilados, e não de uma contaminação proposital para causar mortes.”

O Ministério da Saúde afirmou nesta quinta-feira (2) que há uma morte por intoxicação por metanol confirmada em laboratório, além de outras sete sob investigação.

A pasta disse que recebeu 59 notificações de possível contaminação pelo produto após consumo de bebida alcoólica em São Paulo, Pernambuco e no Distrito Federal. Há 11 casos confirmados e 48 em análise, números que incluem pacientes que morreram.