SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A proposta de reforma administrativa que foi protocolada na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (2) recebeu críticas e também elogios de especialistas em administração pública.
No total, são três textos: uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), um PLP (Projeto de Lei Complementar) e um PL (projeto de lei). O texto altera significativamente a organização das carreiras no setor público.
Para o consultor jurídico e professor titular da FGV Direito Carlos Ari Sundfeld, o texto cria uma série de burocracias e centraliza a organização do Estado nas mãos da União.
“É uma visão centralizadora e burocrática que imagina que a administração federal tem capacidades extraordinárias que faltam a estados e municípios”, diz.
Ele dá como exemplo a proposta de regra para limitar a quantidade de cargos em comissão.
O texto determina que até 5% do total de cargos providos em todos os entes federativos poderão ser preenchidos por comissionados (municípios com menos de 10 mil habitantes podem ter até 10%).
“Não ter abuso pode ser favorável para a profissionalização da administração, mas colocar percentuais únicos é uma visão centralizadora, como se fosse uma regra capaz de abranger a realidade de todos os órgãos”, afirma Sundfeld.
Para ele, o conjunto de textos tem uma dimensão muito grande e a discussão será de “uma complexidade gigantesca”, o que pode ter um efeito de atrasar a modificação da administração pública.
O professor descreve como isso pode acontecer ao falar sobre a seção na proposta de reforma administrativa sobre governo digital. “Os três textos têm muitas normas sobre digitalização do governo. Mas quem fez o diagnóstico pelo qual a digitalização estaria precisando de uma autorização constitucional? Esse não é um problema que existe. A digitalização vem ocorrendo na medida das possibilidades. O efeito [da reforma] é criar problemas para algo que está sendo bem feito.”
Ele também aponta o que afirma ser uma contradição a respeito dos supersalários: há uma série de artigos para tentar atacar o problema, mas ao mesmo tempo cria-se um bônus que estaria fora do teto.
Ana Pessanha, especialista em Conhecimento da República.org, também expressa receio em relação à proposta dos bônus: “A literatura internacional mostra que esse tipo de incentivo pode funcionar em funções mais simples e de fácil mensuração, mas não há evidências robustas de que funcione para toda a administração pública”.
De uma maneira mais ampla, no entanto, o República.org faz um balanço mais positivo e diz que “a proposta traz avanços ao reforçar a cultura de planejamento e avaliação”.
Para Humberto Falcão, da Fundação Dom Cabral e do Movimento Pessoas à Frente, “nunca vimos na história da República uma proposta de reforma administrativa tão abrangente”.
Ele diz que o federalismo atual tem problemas, e que a descentralização tem “alguns aspectos incapacitantes”.
Para ele, a grande maioria das propostas “dialogam” com necessidades do setor público e a reforma é um avanço, “mesmo que nem tudo seja objeto de apreciação agora”.
Cibele Franzese, professora da FGV e membro do comitê gestor do Movimento Pessoas à Frente, diz que as medidas têm “um lado interessante” a respeito da reorganização e novos incentivos para o funcionalismo público. Ela destaca o processo seletivo para cargos em comissão, a necessidade de ter processos de avaliação de desempenho ligados a metas institucionais e necessário para progressão, carreiras mais transversais e menos compartimentalizadas, concursos precedidos de planejamento da força de trabalho, a limitação das verbas indenizatórias que permitem o estouro do teto constitucional de pagamento e a mudança dos fundos de verbas honorárias para natureza pública.
Ela também fala de “um lado mais complexo”, que é a regulamentação para uma federação “desigual e heterogênea”.
O trecho sobre os supersalários é um dos mais citados pelos especialistas. Para Felippe Angeli, coordenador de advocacy (defesa de causas) do Justa, a proposta busca combater a “profusão de decisões administrativas” que concediam benefícios, muitas vezes retroativos e de longo prazo, funcionando como subterfúgios para “furar o teto” constitucional.
Ele afirma que nos últimos anos houve uma espécie de corrida nas instituições da Justiça para aprovar verbas “claramente remuneratórias que eram apresentadas como indenizatórias só para contornar o teto constitucional”.
Uma dessas estratégias, segundo Angeli, é a criação de fundos especiais, que a reforma administrativa tenta disciplinar.