SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Busquem conhecimento.” Registradas por uma equipe da Record em 2010, essas palavras viraram meme e alçaram seu suposto autor, o ET Bilu, a personagem do imaginário brasileiro. A fama também alcançou o homem que seria o interlocutor do extraterrestre, Urandir Fernandes de Oliveira. Ele ganhou notoriedade entre defensores de teorias conspiratórias e fechou uma parceria com o Governo de São Paulo.

O objeto do acordo é o Caminho de Peabiru que é, oficialmente, uma rede de trilhas indígenas pré-colombianas que atravessava a América do Sul e ligava o litoral atlântico brasileiro, na região de São Vicente, em São Paulo, até os Andes, no Peru. A rota é atribuída aos povos indígenas e teria sido usada para comércio, trocas culturais e também peregrinação.

Porém, a empresa de Urandir, a Dakila Pesquisas, defende que existe uma ligação do caminho com Ratanabá, uma cidade -cuja existência não é reconhecida por arquelogistas e pesquisadores- no norte do Brasil que teria sido fundada por extraterrestres há cerca de 450 milhões de anos.

Em junho de 2024, a Dakila assinou um protocolo de intenções com a gestão de Tarcísio de Freitas, por meio da Setur (Secretaria de Turismo). Conforme divulgado na época, o objetivo era explorar o milenar caminho.

No material divulgado pelo governo paulista na ocasião do acerto, Ratanabá não é citada. Porém, algumas teorias que são tidas como controversas são descritas, como o fato de que elas atravessariam o oceano, “chegando até o Monte Nemrut, na Turquia”.

No anúncio da assinatura do protocolo é divulgado que o protocolo tinha como objetivo revitalizar e mapear no território paulista como forma de fomentar o turismo da região. A parceria foi cancelada seis meses depois, no dia 30 de dezembro, em decorrência de ausência de resultados.

Em seu site e suas redes sociais, Dakila defende que a exploração da região é parte de um “ambicioso projeto com objetivo de mostrar todas as interligações, principalmente do litoral brasileiro até o coração da Amazônia/Ratanabá”. “Estabelecendo um mapeamento que será verdadeiramente histórico e trará muitas novidades para a ciência mundial”, diz.

A Dakila fez ao menos duas visitas a prefeituras do estado de São Paulo, em Cananeia e São Vicente. De acordo com a Prefeitura de São Vicente, o grupo esteve na cidade em março deste ano e se apresentou como tendo um convênio com a Secretaria de Turismo –na data , o acordo com o governo de São Paulo já tinha sido cancelado.

A gestão municipal afirma que, antes de receber a entidade, procurou a diretoria técnica do Governo de São Paulo e recebeu a informação de que, sim, a parceria existia. A gestão Tarcísio, por meio da Secretaria de Turismo, diz que, quanto “ao uso indevido da marca, a pasta adotará as medidas administrativas e legais cabíveis”.

“Foi durante a visita e após a repercussão que tivemos conhecimento aprofundado sobre as críticas e controvérsias envolvendo a Dakila Pesquisas, incluindo o posicionamento da Sociedade de Arqueologia Brasileira”, diz a secretaria de turismo de São Vicente, Juliana Santana.

“Não compactuamos com qualquer forma de pseudociência”, completou.

Já a cidade de Cananeia diz que as ações promovidas por Dakila não contaram com apoio ou auxílio financeiro da prefeitura e que a entidade prometeu um relatório técnico gratuito que nunca chegou.

A reportagem solicitou uma entrevista com Urandir. Por meio da assessoria de imprensa, foi informada que deveria encaminhar os questionamentos por email, que seriam respondidos. A empresa confirmou que o acordo com a gestão estadual acabou em dezembro deste ano e disse que a pesquisa sobre Peabiru segue de forma independente, mas não respondeu sobre as relações que faz sobre Ratanabá.

Na madrugada desta quinta, Urandir publicou um vídeo nas redes sociais em que critica a Folha e o jornal O Globo. Ele diz que os questionamentos encaminhados por email pela reportagem são tendenciosos e fruto de uma “reportagem paga”. “Deixem Dakila em paz, quieto, se não nós vamos realmente lançar algumas sujeiradas de vocês aí, tá?”

Ao final, citou a conhecida frase do ET Bilu ao pedir que os jornais “busquem conhecimento”.

“IRMÃO E GRANDE AMIGO”

O secretário de Turismo do Estado de São Paulo, Roberto Lucena, na assinatura do protocolo, em junho do ano passado, fez elogios a Urandir. “Você que é meu irmão, que é meu amigo, muito obrigado pela sua amizade.” O momento foi registrado nas redes sociais da Dakila.

“É uma rota turística pouco conhecida, mas, a partir desta assinatura, o estado, por meio da secretaria de Turismo, mapearão as informações culturais e científicas a fim de criar a oferta turística e uma rota de aventura e contemplação”, diz o secretário.

Lucena aparece com Urandir também na entrega de um prêmio, em julho deste ano, da Academia Brasileira de Honrarias ao Mérito, na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Em 2020, o secretário, então deputado federal, também esteve com Urandir no encontro com Mario Frias, quando o empresário teria falado de Ratanabá -as teorias sobre a suposta cidade foram publicadas por Frias nas redes sociais. Na época, Lucena postou no Facebook sobre o encontro e não cita Ratanabá, mas diz que a reunião tratou sobre o Caminho de Peabiru.

A reportagem questionou a Secretaria de Turismo sobre a relação de Lucena com Urandir, mas não obteve retorno. A Folha apurou que a pasta considera que não pode negar ou restringir parcerias em decorrência de viés e que foi procurada pela empresa, que alegou ter ferramentas e tecnologia para o desenvolvimento da rota.

Para especialistas em arqueologia, o protocolo firmado com o governo de São Paulo trata-se uma forma de legitimar uma espécie de ecossistema criado por Urandir, apontado como propagador de pseudociência e teorias conspiratórias.

O protocolo de intenções foi alvo de investigação por parte da deputada federal Sâmia Bômfim (PSOL-SP), que solicitou esclarecimentos ao Governo do estado de São Paulo e acionou o Ministério Público. A Promotoria arquivou o caso por não encontrar irregularidades, uma vez que a parceria não previu repasse do estado ao parceiro privado.

A atuação de Dakila não é reconhecida pela SAB (Sociedade Arqueologia Brasileira). Em um dossiê produzido pelo historiador e arqueólogo Artur Barcelos, a entidade alerta para as constantes tentativas da empresa de Urandir de obter licenças para pesquisas arqueológicas na amazônia brasileira.

“A ciência arqueológica refuta em absoluto essa tese”, diz ele, que descreve que a teoria indica ainda que um povo extraterrestre chamado Muril veio há Terra e, há milhões de anos, criou a cidade de Ratanabá e os caminhos a ela conectados. Para ele, o protocolo de intenções foi uma forma do governo divulgar a empresa.

Dakila também tenta firmar parcerias em universidades. A Universidade Estadual do Amazonas havia firmado um termo de cooperação no início deste ano, mas afirma que o projeto foi cancelado. A instituição não explicou o motivo do cancelamento.