SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) assinou nesta semana o decreto que regulamenta Compromisso Nacional Toda Matemática, política pública voltada a enfrentar um dos maiores gargalos da educação brasileira. A ação do MEC (Ministério da Educação) prevê R$ 70 milhões ainda neste ano para formação de professores e gestores, produção de materiais didáticos e ações pedagógicas voltadas à melhoria da aprendizagem.
O programa se apoia no regime de colaboração entre União, estados e municípios e articula diferentes sistemas de avaliação da educação básica, como o Saeb. A expectativa é que os dados sirvam de apoio para a gestão escolar e o acompanhamento do aprendizado dos estudantes.
Segundo o MEC, do valor previsto, R$ 20 milhões serão destinados ao PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) Toda Matemática, que usará indicadores para priorizar as redes que mais precisam de apoio. Outros R$ 50 milhões virão dos PDDEs Escola das Adolescências e Recomposição das Aprendizagens, voltados a clubes de letramento e reforço para alunos do ensino fundamental.
Para Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, a iniciativa é um marco por tratar a matemática como prioridade nacional. “Na história recente do Brasil, [a disciplina] nunca foi abordada com esta seriedade e este olhar federativo. É essencial que se torne uma política de Estado, não de governo, capaz de atravessar mandatos e partidos”, afirma.
A Fundação Itaú, por meio do Itaú Social, participou dos debates técnicos junto ao MEC sobre o desenvolvimento dos programa.
O projeto já havia sido anunciado em junho, na premiação da Obmep (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), quando o ministro da Educação, Camilo Santana, destacou como objetivos a redução das desigualdades regionais e o reconhecimento dos avanços das redes no aprendizado da disciplina.
A Obmep é organizada pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada). Diretor-geral da instituição e colunista da Folha, Marcelo Viana afirma que o programa representa um compromisso inédito do governo federal com a qualidade do ensino de matemática, ao coordenar ações com estados e municípios para formar professores, oferecer materiais pedagógicos e estabelecer padrões de desempenho nas redes públicas. Além de inédita, ele classifica a política como “ousada”.
O pano de fundo da medida são os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), aplicado a jovens de 15 anos em mais de 80 países. Em 2022, 73% dos estudantes brasileiros apresentaram desempenho insuficiente em matemática, índice que deixa o país abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Apenas 5% dos jovens chegam ao fim do ensino médio com aprendizado adequado.
Além disso, na edição de 2022, o Brasil ficou na 65ª posição, entre os 20 piores do mundo em matemática, com 379 pontos.
Para Saron, são urgentes o fortalecimento da formação de professores, a produção de material didático alinhado à cultura digital e a criação de avaliações de curto prazo para acompanhar a aprendizagem. “O professor é peça-chave nesse alavancar. Matemática é acumulativa: se você não domina a aritmética, terá dificuldade de entender raiz quadrada. Por isso é essencial começar desde a educação infantil”, afirma.
Um estudo do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), em parceria com o Impa, apontou que os jovens brasileiros chegam aos 15 anos com atraso equivalente a três anos em relação aos pares dos países desenvolvidos, com impacto maior nas escolas que atendem alunos de baixa renda. O levantamento também mostra que desigualdades de cor/raça e, em menor medida, de gênero agravam os resultados.
Saron lembra que a disciplina é, ao mesmo tempo, produtora e combatente da desigualdade. “É onde a mulher está mais fragilizada, onde o negro está mais fragilizado. Ter uma agenda nacional pela matemática é essencial para combater a desigualdade e melhorar a produtividade do país”, diz.
Apesar do baixo aproveitamento econômico do país, um estudo da Fundação Itaú mostra que investir em matemática traz ganhos expressivos. Em 2023, trabalhadores em ocupações ligadas à disciplina tiveram rendimento médio de R$ 3.520, valor 119% superior à média nacional. Além disso, 84% estavam no mercado formal, contra 67% dos demais profissionais. Durante a pandemia, também sofreram menos demissões e se recuperaram mais rápido.