SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No passado, quem quisesse assistir a uma novela tinha que ficar parado por uma hora diante da televisão no mesmo horário, todos os dias, por meses. Com a revolução do streaming, deu para matar vários capítulos deslizando o dedo pela tela do celular, a qualquer hora e em qualquer lugar.

Agora, há os microdramas, novelas gravadas no formato vertical de telefones. Importadas de países como China e Estados Unidos, as produções se alastraram pelas redes sociais e, no Brasil, chamam a atenção de canais como a Globo, que acaba de anunciar seus primeiros projetos do tipo.

Chamadas também de novelas verticais, elas condensam o bom e velho folhetim em capítulos curtíssimos. Um dos maiores sucessos nacionais do gênero, “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”, tem 68 episódios com dois minutos cada. Isso tudo dá pouco mais do que dois capítulos de “Vale Tudo”, a principal novela da Globo hoje, no ar na faixa das nove.

Nos microdramas, quem piscou perdeu. É uma lógica oposta à das novelas tradicionais, que repetem acontecimentos e diálogos para contextualizar o espectador que possa não ter visto algum capítulo. Mas na tela do celular é preciso disputar a atenção do público com muitas distrações.

As novelas verticais são feitas de tramas acessíveis e com ganchos irresistíveis. No caso de “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”, em poucos segundos o espectador é apresentado ao dilema de Nathalia Queiroz, garota pobre que pede dinheiro ao pai. Numa trama que lembra a de “Cinderela”, ela enfrenta uma madrasta má e a meia-irmã mesquinha e ainda é forçada a aceitar um casamento arranjado.

A obra, criada pelo casal de brasileiros Katharine Albuquerque e Iury Pinto, está na plataforma americana Reel Short, especializada nesse formato, e soma cerca de 480 milhões de visualizações. É uma audiência expressiva para um investimento que, diz Albuquerque, foi pequeno -saiu mais barato fazer a micronovela do que um filme de baixo orçamento, ela diz, sem contar o valor. Em comparação, novelas como as da Globo podem custar mais de R$ 1 milhão por capítulo e são filmadas por meses.

O negócio fez barulho no mercado e gerou interesse na concorrência. O TikTok, por exemplo, vai lançar duas novelas verticais. A ideia é competir com o Kwai, outra rede social de vídeos curtos, também vinda da China, que produz obras do tipo no Brasil há três anos. A empresa diz ter investido cerca de R$ 1,4 bilhão nas mais de cem produções nacionais que tem no catálogo.

Claudine Bayma, diretora do Kwai no Brasil, diz que os microdramas se saem bem sobretudo pelo formato vertical. “Não é só uma questão de enquadramento. Traz uma estética intimista, põe o espectador dentro da cena e cria uma cumplicidade que só o ambiente digital oferece.”

O TikTok, em paralelo, se tornou um espaço para pessoas que sonhavam em trabalhar com novelas, mas nunca chegaram à TV, caso do influenciador Reeh Augusto, de 22 anos, que gastou cerca de R$ 65 mil para fazer o microdrama “Dois Pedaços”.

A Globo também quer surfar essa onda. O canal anunciou, nesta terça-feira, o microdrama “Tudo por uma Segunda Chance”, dirigido por Adriano Melo, que já fez “Malhação”. A obra de 50 capítulos vai circular nas redes sociais da emissora, e alguns trechos serão exibidos na atual novela das sete, “Dona de Mim”, de Rosane Svartman.

A autora viu algo parecido acontecer com seu sucesso “Vai na Fé”, há dois anos, que fisgou a geração Z, superpopular na internet. “O público se apropria dos trechos de novelas que publicamos. Mas reforçamos a exibição na TV para que exista um ciclo virtuoso”, disse a executiva Leonora Bardini quando “Vai na Fé” estava no ar. Hoje ela é diretora-executiva do canal.

A outra micronovela da emissora, programada para dezembro, é “Cinderela e o Segredo do Pobre Milionário”, que terá no elenco o cantor sertanejo Gustavo Mioto. Será disponibilizada no Globoplay, e apenas assinantes poderão assistir à trama toda.

O SBT, por sua vez, lançou há duas semanas “Refollow”, misto de websérie e novela vertical, disponível no YouTube, em capítulos horizontais de até dez minutos, e no Instagram, em pílulas verticais com cerca de 90 segundos.

São investidas que ilustram o desejo dos grandes canais de renovar o folhetim, ainda uma paixão nacional, apesar da queda de audiência que o gênero enfrenta há anos. As iniciativas vêm na esteira do sucesso de “Beleza Fatal”, novela de 40 capítulos da HBO Max, muito menor do que as da TV aberta.

Aguinaldo Silva, um dos maiores dramaturgos do país, que escreve a próxima novela das nove da Globo, “Três Graças”, diz ver com bons olhos as novidades. “Seria bom para nós, autores, e para os atores, que as novelas fossem mais curtas. É bom para o público também, e até para o produtor, que gasta menos. Tenho visto histórias de três minutos contadas com sofisticação.”

O autor Antonio Prata, que escreveu obras nesse formato para serem gravadas ainda este ano, diz se impressionar que o formato tenha demorado a chegar de vez ao país. Ele é um dos criadores do Tele Tele, aplicativo que será lançado no ano que vem com micronovelas nacionais escritas e dirigidas por nomes como Thiago Teitelroit, que comandou títulos como “Cordel Encantado” e “Totalmente Demais” na Globo.

A plataforma deve recorrer à inteligência artificial para baratear a produção. A ideia, diz o diretor, é usar a tecnologia para criar efeitos especiais ou alterar o movimento da boca dos atores brasileiros na hora que eles forem dublados em outras línguas -mais ou menos como Disney e Dreamworks costumam fazer com as boquinhas dos seus personagens animados.

Ferramentas de IA devem ser aplicadas também nos microdramas do Noverama, site recém-lançado por Fábio Lima, presidente da agregadora de conteúdo audiovisual Sofa Digital. “A IA permite mais audácia e histórias de fantasia e ação”, diz.

Eduardo Pradella, que escalou os elencos de “De Volta ao Jogo e “Minhas Versões do Amor”, diz, porém, que a produção da novela vertical, apesar de mais barata, exige conhecimento técnico. “Na sala de casa você apaga uma luz que atrapalha a TV, no cinema a sala é toda escura. No celular, não. Você está em qualquer lugar. A tela tem reflexos que não dá para controlar. Então a imagem precisa ser bem clara, não pode ser muito ‘cinemático’.”

O que também está sendo posto à prova são as formas de lucrar com esse tipo de obra. Por serem curtos, os microdramas não têm muito espaço para anúncios publicitários extensos, como na TV, que dedica minutos inteiros aos intervalos comerciais. O Kwai, que é gratuito, tenta monetizar com tramas criadas em parcerias com marcas –como fez com a Cheetos, que pagou por uma novelinha para divulgar um salgadinho.

Outra saída são as assinaturas e microtransações, como faz a Reel Short. A rede disponibiliza os primeiros capítulos gratuitamente e oferece tanto pacotes pagos que liberam todo o conteúdo –caso da assinatura semanal, de R$ 45– como moedas próprias do serviço –vendidas a pacotes a partir de R$ 5,50.

Quem não quiser gastar R$ 70 para ver as duas horas de “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”, pode ganhar essas moedas vendo uma quantidade limitada de anúncios por dia no aplicativo. No TikTok, porém, vários usuários pirateiam os capítulos dessa e de outras produções.