SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar está em alta nesta quinta-feira (2), com investidores no Brasil digerindo a aprovação, na noite anterior, do projeto de isenção do Imposto de Renda na Câmara dos Deputados.
Dados de emprego dos Estados Unidos também são destaque na sessão, na esteira da paralisação parcial do governo norte-americano.
Às 12h11, a moeda avançava 0,36%, a R$ 5,347 na venda. Já a Bolsa tinha forte queda de 1%, a 144.055 pontos.
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês. O projeto ainda precisa passar pelo Senado Federal antes de começar a valer em 2026.
Além de promessa da última campanha, a isenção do IR também é a principal aposta do PT para alavancar a popularidade de Lula em ano eleitoral. A medida ainda inclui um desconto no imposto de quem ganha entre R$ 5.000 e R$ 7.350 mensais.
Ao todo, a desoneração da base da pirâmide de renda deve beneficiar até 16 milhões de contribuintes a um custo de R$ 31,2 bilhões no ano que vem, segundo o relator, deputado Arthur Lira (PP-AL). Para compensar a perda desses recursos, o governo propôs a criação de um imposto mínimo de 10% sobre a alta renda, também aprovado apesar das resistências.
O alvo da medida de compensação são 141 mil contribuintes que recolhem, em média, uma alíquota efetiva de 2,5%, que reflete a proporção de impostos recolhidos em relação à renda total.
Para a equipe de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, a estrutura é injusta. A pasta elaborou estudos em que concluiu que taxar a alta renda melhora a desigualdade, e o governo deflagrou uma ofensiva nas redes sociais em defesa da medida.
Em entrevista nesta manhã em Brasília, Haddad comemorou a aprovação na Câmara e disse não esperar dificuldades na tramitação no Senado.
“Não acredito que vá haver problemas, inclusive porque este projeto não busca só justiça tributária, ele busca justiça tributária com ancoragem fiscal”, disse Haddad.
O projeto levantou temores de ingerência fiscal no ano passado, o que, entre outros fatores, levou o dólar ao recorde histórico de R$ 6,20. Mais do que a isenção em si, o mercado temia que o texto fosse desidratado na Câmara sem uma compensação para a perda de receita, desequilibrando as contas públicas e impondo dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida do governo.
Mas, mesmo com a compensação, a leitura do mercado é que o projeto não é totalmente neutro.
“Ele aumenta a renda disponível para camadas que recebem até R$ 5.000, e isso indica que ele não é neutro do ponto de vista da demanda”, diz Leonel Mattos, analista de inteligência de mercado da StoneX. Em outras palavras, o especialista vê como mais provável que o dinheiro extra recebido pelo trabalhador seja gasto do que poupado.
“Mesmo que ele seja fisicamente neutro do ponto de vista das contas públicas, o projeto provavelmente pode resultar numa leve aceleração da demanda, o que complementa o desafio inflacionário enfrentado pelo Copom (Comitê de Política Monetária)”, afirma.
Nesse sentido, as pressões inflacionárias poderão levar o comitê a manter a taxa Selic em 15% ao ano por mais tempo. Essa leitura tira a atratividade da Bolsa, por exemplo, e reforça a posição da renda fixa como a bola da vez nas decisões de investimento.
“A queda do Ibovespa hoje é uma combinação de fatores: o mercado está digerindo a proposta de isenção do IR e, principalmente, acompanhando os desdobramentos do ‘shutdown’ do governo dos EUA. No momento, pesa mais o fator internacional, porque o presidente Donald Trump subiu o tom quanto aos impasses que estão tendo na cena política”, diz Ian Lopes, economista da Valor Investimentos.
A paralisação do governo dos Estados Unidos foi causada por falta de financiamento para serviços federais não essenciais, diante de um impasse entre republicanos e democratas no Congresso. A princípio, os efeitos disso se darão na interrupção de atividades das agências. O relatório de emprego payroll esperado para sexta-feira, por exemplo, foi adiado indefinidamente. Viagens aéreas serão atrasadas, pesquisas científicas, suspensas, e até 750 mil funcionários federais poderão ser dispensados, custando US$ 400 milhões ao governo.
O problema principal para o mercado está na paralisação das agências estatísticas. Dados, sobretudo os de emprego e de inflação, servem como um termômetro da saúde econômica dos Estados Unidos, norteando as decisões de juros do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) e, por consequência, as de investimento dos operadores.
O momento é especialmente sensível diante da cautela do Fed quanto ao ciclo de corte de juros, iniciado na reunião de setembro e cuja continuidade depende da evolução dos dados econômicos. A paralisação, segundo analistas, pode afetar tanto a qualidade quanto a pontualidade dos relatórios, diminuindo a visibilidade sobre a economia e, portanto, aumentando a incerteza na tomada de decisões.
“Para os investidores, a não publicação do payroll em momento em que o Fed está em processo de corte de juros é preocupante”, diz o diretor da consultoria Wagner Investimentos, José Faria Júnior, em comentário enviado a clientes.
Sem o payroll, o mercado agora se volta para relatórios mais laterais. O destaque do dia é a estimativa do Fed de Chicago, que prevê que a taxa de desemprego dos EUA “provavelmente” foi 4,3% em setembro.
É a segunda vez que a métrica é publicada. A ideia é que ela seja divulgada duas vezes por mês para dar às autoridades uma ideia do estado do mercado de trabalho. O intuito, portanto, não é substituir o payroll, mas a ausência dele torna a leitura mais relevante do que o previsto à época de sua criação.
A previsão sugere que o mercado de trabalho não está, por enquanto, em uma rápida deterioração, e os mercados financeiros continuam a refletir apostas pesadas em cortes de 0,25 ponto nos juros nas próximas duas reuniões do Fed, em outubro e dezembro.