SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cerveja sem álcool era, no passado, fonte de desprezo da parte de quem gostava da bebida.

“Agora, só cerveja sem álcool. Quer dizer, tem 0,5% de álcool. Ou seja, de 0,5 em 0,5 a gente pode chegar a um resultado expressivo”, brincou o cartunista Jaguar (1932-2025) sobre seus hábitos etílicos depois de ter sido detectado um tumor em seu no fígado.

Seu colega de Pasquim, Paulo Francis, dizia que o único objetivo possível em beber era ficar bêbado: “Beber socialmente é coisa de pequeno burguês”, disse.

A opinião é impopular hoje. O tamanho do mercado das chamadas cervejas zero está em expansão no Brasil. Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária mostram que, no ano passado, o consumo desse tipo de bebida cresceu cerca de 600%. Houve também aumento no volume das “balanceadas”, chamadas assim por terem menos álcool, menos caloria e nenhum glúten.

Segundo a Ambev, dona de 59% do mercado cervejeiro brasileiro, a Stella Pure Gold representa 30% das vendas da marca Stella Artois. Um caso considerado tão bem-sucedido de cerveja balanceada que será exportado para outros países do grupo.

Somadas, as marcas Corona Cero, Bud Zero e Brahma 0,0% tiveram crescimento de 15% no segundo semestre de 2025 em relação ao mesmo período de 2024.

“Queremos oferecer novas ocasiões em que pode ser feito o consumo equilibrado. É poder tomar cerveja em um momento em que o álcool não faria sentido. Cria a oportunidade de cerveja para novas ocasiões”, afirma Gustavo Castro, diretor de inovação da Ambev. “A ideia é mostrar que cerveja é muito mais do que álcool”, completa.

A expansão da cerveja zero, diz ele, acontece por causa do sabor. O gosto está muito próximo hoje em dia do produto com álcool. Um dos motivos para isso é o investimento em pesquisa, tecnologia e na forma de fabricação.

No passado, o processo da fermentação era interrompido para evitar a formação do álcool na cerveja. Isso alterava consideravelmente o sabor.

Hoje, a tecnologia permite produzir a bebida com a fermentação completa, gerando o álcool normalmente. Este depois é 100% retirado do processo. Isso, segundo a indústria, teria feito a diferença no gosto do produto.

Apesar da multiplicação de vendas, o mercado de cerveja sem álcool representa 4,9% das vendas no país, segundo o Anuário da Cerveja, elaborado pelo Ministério da Agricultura e pelo Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja). No ano passado foram fabricados cerca de 15,3 bilhões de litros de cerveja de todos os tipos.

São consideradas de baixo teor as que têm até 2% de álcool. As “normais” estão entre 4% e 6%, mas podem chegar, em alguns casos, a 12%.

Para a Ambev, o segmento dos produtos zero pode atingir o mesmo nível de um país como a Espanha, que está entre 6% e 7%.

Uma das preocupações do mercado era que o aumento do consumo das cervejas sem álcool ou balanceadas não se transformassem em um jogo de soma zero: a expansão desses produtos poderia diminuir as vendas das “normais” na mesma proporção.

A constatação é que o avanço tecnológico, possibilitado pelo investimento em setores de pesquisa, evitou isso.

“Essa percepção, esse aumento [de consumo], surpreendeu a muita gente”, diz o executivo da Ambev.

O Brasil é o terceiro maior mercado cervejeiro do mundo, segundo ranking da IndexBox. Fica atrás da China e dos Estados Unidos. Já em relação ao consumo per capita, ranking montado pela cervejaria japonesa Kirin coloca o Brasil como 26º. Os líderes nesse quesito são República Checa, Áustria e Lituânia. Os números são referentes a 2023.

A busca por igualar o sabor como fator de vendas é relevante se comparado com pesquisa das agências de marketing Brazil Panels e Conexão Vasques. Esta apontou que, para 61,6% dos entrevistados consumidores de cerveja, o mais importante para a escolha da marca é o gosto.

O Anuário da Cerveja aponta que o Brasil tem 55.015 marcas de cervejas registradas no Ministério da Agricultura.