RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O pianista brasileiro Tenório Jr., sequestrado e assassinado na Argentina às vésperas do início da ditadura no país, foi homenageado nesta quarta-feira (1°) em evento no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no Rio de Janeiro.

O corpo do músico foi identificado no mês passado, na Argentina, depois de quase 50 anos. Vítima de múltiplos impactos de balas, ele fora enterrado em vala comum do cemitério municipal de Benavídez, com centenas de outros corpos.

Os três netos que Tenório Jr. jamais conheceu discursaram na homenagem, que teve apresentações de Joyce Moreno, amiga do pianista, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que também o conheceram.

“Não conhecemos nosso avô Tenório, mas crescemos com o peso da ausência e especulações sobre um futuro violentamente arrancado. Mas a arte ressoa e a tecla do piano nunca deixou de tocar nas nossas casas”, afirmou Sofia Cerqueira, uma das netas de Tenório.

“Nosso avô era um artista, isso fez com que sua história não caísse no esquecimento. Mas nenhuma vítima deve ser esquecida”, disse Marina Cerqueira, outra neta.

Os filhos de Tenório —Elisa, Andrea, Francisco e Margarida— subiram ao palco e receberam flores brancas de Caetano e Gil. Carmen, mulher de Tenório, morta em 2019, também foi lembrada. No telão, uma reprodução de fotografia de Tenório Jr. ao piano foi projetada.

Um trio formado por Rafael Carneiro ao piano, Bruno Aguilar no contrabaixo acústico e Tutty Moreno na bateria tocaram os temas “Embalo” (Tenório Jr.) e “Inútil Paisagem” (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), faixas do único disco autoral de Tenório Jr., o “Embalo”, de 1964.

“Tenório me procurou quando me mudei de Salvador para o Rio de Janeiro, depois do exílio. Ia muito lá para casa e vinha insinuando que a gente fizesse um disco. Ficamos com esse plano que nunca se concretizou”, disse Caetano. “Hoje estamos aqui para saudar o fato de que, pelo menos, rastros desse homem maravilhoso foram encontrados em Buenos Aires.”

Tenório fez parte de uma geração de músicos que assentou as marcas do samba-jazz na música brasileira, na década de 1960. O “Embalo”, disco do pianista gravado pela RGE, teve participação de músicos como Milton Banana (bateria), Paulo Moura (sax alto) e Meirelles (sax tenor).

“Foi um músico importantíssimo desse movimento de aproximação mais intensa com a música negra americana, o jazz”, afirmou Gil.

Lucas Guanini, membro da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) responsável pela coleta das impressões digitais, esteve presente no evento. Vera Paiva, professora de psicologia da USP (Universidade São Paulo) e filha de Rubens e Eunice Paiva, Elena Zafaroni, ativista uruguaia de direitos humanos, e Sara Mrad, representante da filial de Tucumán das Mães de Praça de Maio, também compareceram.

Tenório Jr. acompanhava Vinícius de Moraes e Toquinho durante turnê na Argentina. Antes, tinham se apresentado em Montevidéu, no Uruguai. Na madrugada de 18 de março de 1976, após um show na renomada casa de espetáculos Gran Rex, na avenida Corrientes, Tenório teria deixado um bilhete para Toquinho, com quem dividia um quarto no Hotel Normandie, no centro de Buenos Aires, dizendo que sairia para comprar cigarros e um lanche. Nunca mais voltou, e seu corpo não foi encontrado.

O corpo que agora se atribui ao músico foi identificado por meio de impressões digitais. As de Tenório Jr. estavam em dois órgãos diferentes dedicados a buscas de pessoas desaparecidas durante a ditadura. Um cotejamento das informações feito recentemente permitiu a identificação do pianista.

Os restos de Tenório Jr. foram encontrados na interseção entre a avenida General Belgrano e a Panamericana, na província de Buenos Aires. Segundo a Justiça, a morte teria ocorrido em 20 de março de 1976, ou seja, apenas dois dias depois de seu sequestro. Quatro dias depois, dia 24, ocorreu o golpe militar da Argentina.

Várias especulações rondaram o caso todos esses anos. A mais aceita era a de que o músico teria sido confundido com algum “subversivo” por sua aparência —naquela época, ter cabelos compridos, como boa parte dos artistas tinha, era sinal de desobediência em relação ao sistema.