BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A CGU (Controladoria-Geral da União) do governo Lula (PT) abriu discussões com a J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, para celebrar um novo acordo de leniência, paralelo ao que foi assinado em 2017 com o Ministério Público Federal. As tratativas aconteceram ao menos até janeiro de 2025.

Um acordo de leniência é uma espécie de delação premiada de uma empresa, na qual ela aponta irregularidades que foram cometidas e aceita pagar uma multa em troca de benefícios na Justiça.

Por ter feito acordo apenas com o Ministério Público, e não com a CGU, a J&F ficou de fora da recente repactuação de acordos com empreiteiras envolvidas nos escândalos revelados pela Operação Lava Jato validada pelo ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Mas, em um ofício enviado ao Ministério Público Federal no Distrito Federal em dezembro do ano passado, ao qual a reportagem teve acesso, a CGU admitiu que já discutia a possibilidade de fechar acordo com a J&F. Disse, no entanto, que os termos estão sob sigilo.

“Considerando que a própria empresa J&F Investimentos S.A. confirmou perante o Supremo Tribunal Federal e o juízo da 10° Vara Federal de Brasília a existência de tratativas em curso, e bem assim a colaboração inerente às relações desta CGU com o Ministério Público Federal, confirmo, de forma excepcional, que há negociações em andamento entre esta CGU e a referida empresa para celebração de possível acordo de leniência”, diz o ofício, assinado pelo secretário de Integridade Privada da CGU, Marcelo Pontes Vianna.

No documento, Vianna disse que a CGU não tem atribuição para “revisar ou interferir em acordos celebrados por outros entes públicos, incluindo o MPF”, e que atua apenas dentro das competências que lhe foram dadas na lei anticorrupção de 2013.

Ele ainda pediu que fosse dado “tratamento de sigilo à presente documentação”.

Procurada, a J&F afirmou que “não está negociando acordo de leniência com a Controladoria-Geral da União”, mas não explicou os motivos que levaram à interrupção das tratativas.

Também procurada, a CGU informou em nota que, segundo a legislação, “eventuais negociações de acordos de leniência somente podem ser divulgadas após a efetivação do respectivo acordo”.

“Ressaltamos, e sem que possamos confirmar a negociação de acordo de leniência em curso com qualquer pessoa jurídica, que a competência para celebrar acordos de leniência previstos na Lei nº 12.846, de 2013, relativos a atos lesivos praticados contra o Poder Executivo Federal ou contra a administração pública estrangeira é exclusiva da CGU”, acrescentou o órgão.

“Por essa razão, em diversos casos, pessoas jurídicas buscaram firmar acordo de leniência com a CGU mesmo após já terem celebrado ajuste com o MPF, a fim de resolver a responsabilidade administrativa decorrente da prática dos atos lesivos.”

Apesar de não interferir no acordo do Ministério Público, a possibilidade de um novo acordo foi vista por observadores como mais uma tentativa da J&F de conseguir na Justiça a redução dos valores que se comprometeu a pagar ao assinar o primeiro acordo.

A Odebrecht também firmou inicialmente um acordo, em 2016, com o Ministério Público. Dois anos depois, fechou leniência com a AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU. Os valores do segundo acordo foram abatidos do primeiro —e a empreiteira ainda conseguiu repactuar os pagamentos este ano.

Desde o início do governo Lula, a J&F tem tentado se reaproximar do governo e chegou a viajar com o presidente já no início de 2023. No passado, o petista tinha chamado o empresário de canalha devido à delação.

Uma das últimas atuações de Joesley em favor do governo Lula foi um encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, semanas antes do aceno do republicano ao petista, na Assembleia Geral da ONU.

Como a Folha mostrou, Joesley discutiu com Trump na Casa Branca o tarifaço de 50% aplicado pelos EUA contra produtos vendidos pelo Brasil, que afeta o setor de carne. Outro tema de interesse do empresário tratado na reunião foi a importação de celulose pelos EUA.

O acordo de leniência da J&F com o Ministério Público Federal foi celebrado em 2017 no valor de R$ 10,3 bilhões, considerado à época como o maior já assinado, e incluía os fatos apurados em cinco operações das quais a empresa e seus executivos eram alvos.

Desde o início houve resistências dos Batista sobre o acordo. A empresa tenta renegociar os valores ao menos desde 2020, quando Augusto Aras comandava a PGR (Procuradoria-Geral da República).

Eles também tentaram firmar acordos com CGUs de governos passados, antes da gestão Lula.

No fim de 2023, o ministro do STF Dias Toffoli deu uma decisão que beneficiava a empresa e suspendeu o pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões no acordo de leniência.

Na mesma decisão, Toffoli autorizou o grupo empresarial a ter acesso à íntegra das mensagens da Operação Spoofing, que possui conversas entre procuradores da Lava Jato. O ministro também permitiu que a empresa tratasse dos anexos do seu acordo diretamente com a CGU.

Em resposta à decisão de Toffoli, o ministro André Mendonça abriu no início de 2024 uma mesa de negociação entre as empreiteiras que firmaram acordos de leniência e a União.

Somente empresas que firmaram leniência com a AGU (Advocacia-Geral da União) e com a CGU, órgãos do governo federal, conseguiram acesso a um desconto no pagamento, o que não era o caso da J&F.

Nos autos, houve a tentativa de estender esse desconto a empresas que firmaram acordos de leniência apenas com o Ministério Público, mas isso não foi validado por Mendonça.