SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Exatos 33 anos depois do massacre do Carandiru, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos pela polícia durante uma rebelião, o sobrevivente Maurício Monteiro protocola nesta quinta (2) uma ação contra o Governo do Estado de São Paulo pedindo indenização por tortura e danos morais.

A defesa do educador e ativista, realizada pelo Centro de Assistência Jurídica Saracura (Caju) da Faculdade de Direito da FGV, sustenta que o massacre configurou execuções sumárias, tortura física e psicológica e ocultação de provas.

Esta é a segunda vez que um sobrevivente processa o governo paulista. Na primeira, em 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou a ação de Emilio Marques Silva Filho, por prescrição do prazo.

Agora, a defesa de Monteiro vai alegar que ele sofreu torturas física e psicológica por presenciar execuções sumárias, ser submetido a agressões no chamado “corredor polonês” e ser forçado a limpar o sangue dos companheiros mortos no dia seguinte.

“A tese de agora é que quem estava no massacre sofreu dano moral e passou por situação que pode ser caracterizada como tortura. E tortura não prescreve, como houve entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, diz Maria Cecília de Araújo Asperti, professora da Escola de Direito da FGV e membro do Caju.

Segundo o direito internacional e a jurisprudência consolidada do STJ, tortura é violação de direitos humanos, o que torna imprescritível a reparação das vítimas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia considerado o Brasil responsável, em 2000, por violar o direito à vida, à integridade pessoal e às garantias judiciais, recomendando indenização às vítimas e familiares.

“Enquanto essas feridas permanecerem abertas, o Brasil continuará falhando em cumprir seu compromisso com a democracia e com os direitos humanos”, afirma Maurício Monteiro, que atualmente é diretor do Instituto Resgata Cidadão, educador e palestrante, desenvolvendo atividades de memória no parque da Juventude, espaço construído no terreno do antigo presídio.

Ele também mantém o canal “Prisioneiro 84.901” no YouTube, onde compartilha relatos de sobreviventes e discute políticas públicas para o sistema prisional.

Para os membros e advogados do Caju, não se trata apenas de um pedido de compensação financeira, mas de uma demanda por justiça, dignidade e reconhecimento histórico: “É o reconhecimento de que o Estado brasileiro tem o dever de reparar aqueles que foram submetidos à violência mais brutal dentro de uma prisão, sob sua custódia”.

De acordo com o inquérito oficial, foram disparados mais de 3.500 tiros em menos de 30 minutos, sendo 60% deles direcionados a regiões letais como cabeça, tórax e costas. Laudos do Instituto Médico Legal e relatórios da Anistia Internacional informam que diversas vítimas foram mortas em suas celas ou rendidas, em condições que caracterizam execução.

Três décadas após o massacre, em 2022, houve o trânsito em julgado da condenação criminal de 74 policiais militares por homicídio doloso, quando há intenção de matar. Eles pegaram penas entre 48 e 624 anos, referentes a 77 assassinatos com armas de fogo. No fim daquele ano, porém, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu indulto de Natal perdoando todos eles. Em agosto de 2024, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou constitucional o indulto de Bolsonaro, extinguindo as penas dos 74 policiais.

Enquanto isso, segundo a FGV Direito SP, a maior parte das famílias e sobreviventes segue sem qualquer reparação. O levantamento mostra que, entre as 69 ações indenizatórias julgadas procedentes, apenas 25 resultaram em pagamento integral.

Os sobreviventes e seus familiares têm se organizado como sociedade civil em torno de coletivos como a “Primeira Frente de Sobreviventes do Cárcere” e o “Memórias Carandiru”. Com isso, os grupos têm conseguido mobilizar a atuação dos Núcleos Especializados de Cidadania e Direitos Humanos e de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo na busca pelo cumprimento das medidas de reparação pelo Estado.

Para marcar a data, a Defensoria Pública vai organizar uma série de palestras no auditório da Etec de Artes, no Parque da Juventude, a partir das 14h desta quinta, com a presença da ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo.