SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério de Relações Exteriores de Israel afirmou nesta quarta-feira (1º) que navios da Marinha interceptaram a tripulação dos cerca de 40 barcos que compõem a flotilha que pretendia levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, a ativista sueca Greta Thunberg, um dos principais nomes da iniciativa, aparece sentada e entregando seus pertences a um militar israelense. Segundo a chancelaria, “Greta e seus amigos estão sãos e salvos” e serão levados para o porto israelense de Ashdod, próximo do território palestino.

Antes da interceptação efetiva, Tel Aviv havia advertido os ativistas para mudarem de rota e seguirem até Ashdod, onde o carregamento para os palestinos poderia ser desembarcado e transferido até Gaza por “canais seguros”. Os organizadores da iniciativa já haviam dito que a proposta não seria aceita.

“Nossas embarcações estão sendo ilegalmente interceptadas. Câmeras estão desligadas, e os barcos estão sendo abordados por militares”, disseram os organizadores em post nas redes sociais publicado às 15h34 de Brasília.

Os barcos carregavam itens como alimentos não perecíveis, filtros para água, medicamentos, próteses e fórmulas infantis.

Por volta das 17h de Brasília, segundo a assessoria da flotilha, os barcos Alma, Adara e Sirius já haviam sido interceptados, com entrada de militares israelenses. No Alma estavam Greta e o brasileiro Thiago Ávila, outra figura de destaque do grupo.

O Adara transportava os brasileiros Mansur Peixoto, criador do projeto História Islâmica, e Ariadne Telles, advogada e apontada pelos organizadores como militante da luta pela terra na Amazônia. Por fim, no Sirius estavam embarcados Mariana Conti, vereadora de Campinas pelo PSOL; Nicolas Calabrese, professor e coordenador da Rede Emancipa no Rio de Janeiro; Bruno Gilga, funcionário da USP; Lisiane Proença, identificada pelo grupo como comunicadora popular; e Magno Costa, diretor do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP).

Em nota, os organizadores da operação batizada de Global Sumud Flotilla —”sumud” pode ser traduzido como resiliência, em árabe— afirmaram que, “apesar da interceptação de algumas embarcações”, a flotilha se encontrava a 70 milhas náuticas (cerca de 130 km) do litoral de Gaza e seguiria adiante, “sem se deixar deter”.

As tensões aumentaram nos últimos dias após a flotilha anunciar ter sido alvo de drones a caminho de Gaza. Itália e Espanha mobilizaram barcos do Exército para ajudar em possíveis resgates, mas afirmaram que não se envolveriam militarmente. Essas embarcações europeias acompanhariam o grupo apenas até certo ponto do percurso, por questões de segurança.

O chanceler da Itália, Antonio Tajani, afirmou à TV estatal RAI que Israel lhe garantiu não fazer uso da força para desmobilizar a iniciativa. “Falei com o ministro [Gideon] Saar [chanceler de Israel], que me disse que não haverá ações violentas por parte das forças de Tel Aviv.” Centrais sindicas, que já haviam organizado protestos pró-Palestina e feito uma paralisação em várias cidades italianas, convocaram greve geral nesta sexta-feira (3) em solidariedade à flotilha.

A frota de barcos partiu de Barcelona, na Espanha, no dia 31 de agosto. Ao longo do trajeto, a iniciativa passou por portos como o de Túnis, na Tunísia, onde outras embarcações se juntaram à flotilha.

A interceptação ocorre em um momento em que o grupo terrorista Hamas analisa o plano do presidente americano Donald Trump para o fim da guerra. O território palestino vive uma crise humanitária sem precedentes, e o governo de Binyamin Netanyahu segue bombardeando e operando na Cidade de Gaza como parte do plano para ocupá-la. Nesta quarta, Tel Aviv anunciou ainda que agora bloqueia palestinos que moram ou se deslocaram ao sul de Gaza de acessarem a porção norte do território.

Em entrevista à Folha de S.Paulo antes de a flotilha partir, o major Rafael Rozenszajn, um dos porta-vozes das Forças Armadas israelenses, indicou que o país não permitiria que os barcos chegassem a Gaza. “As Forças Armadas vão estar preparadas para garantir que o bloqueio seja aplicado de uma forma absoluta na Faixa de Gaza”, disse ele na ocasião.

Mais cedo nesta quarta (1º), organizadores da flotilha afirmaram que embarcações israelenses teriam se aproximado de alguns de seus barcos e realizado “manobras perigosas e intimidatórias”.

Desta vez, a flotilha foi organizada conjuntamente pelos coletivos Global March to Gaza, Sumud Convoy, Sumud Nusantara e coalizão Freedom Flotilla. Eles afirmaram ter arrecadado mais de € 90 mil (R$ 570 mil) em doações.

As últimas tentativas de abrir um corredor humanitário simbólico por mar foram frustradas pelas forças militares israelenses. Renderam, porém, repercussão midiática e maior visibilidade para o movimento contra o bloqueio.

Em maio, a embarcação Conscience foi atingida por dois drones em águas internacionais perto da ilha de Malta, às vésperas de levar 80 integrantes e insumos ao território. Na época, funcionários do governo israelense afirmaram que o barco transportava armamentos ao Hamas, o que foi contestado por uma inspeção maltesa.

Em junho, o veleiro Madleen foi interceptado a 180 km da costa de Gaza com 12 tripulantes, incluindo Greta e Thiago Ávila. O brasileiro ficou preso por cinco dias, isolado em solitária e sob maus-tratos, segundo sua família. Após intervenção do Itamaraty, foi expulso do país.

O Ministério das Relações Exteriores de Israel chamou o protesto de “iate das selfies” e os ativistas de “celebridades”. Após os tripulantes serem expulsos, publicou na rede social X: “Tchau, tchau. E não se esqueçam de tirar uma selfie antes de partirem”.