BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Em busca de frear a volatilidade no mercado de câmbio, o governo de Javier Milei resolveu limitar a compra de dólares pelos argentinos com duas medidas antes das eleições legislativas de 26 de outubro.
A autoridade monetária agiu para impedir a venda de dólar oficial por meio das carteiras virtuais, em plataformas como Mercado Pago e Cocos Capital. A reação nas redes foi de críticas ao governo e de temor por uma possível volta completa do “cepo” cambial -o limite para a compra de dólares que havia sido liberado para pessoas físicas em abril.
Segundo o BCRA (Banco Central da República Argentina), as plataformas já eram proibidas de vender dólar oficial, mas a norma não era respeitada.
Semanas antes, uma outra norma do BCRA também passou a impedir que os poupadores que comprem dólares na cotação oficial façam operações com dólares financeiros (MEP) por 90 dias, e vice-versa. A medida seria para conter os chamados “rulos” (manobras especulativas). Essas operações se davam pelas diferentes cotações de dólar na Argentina, o investidor buscava ganhar na diferença entre os tipos de dólar.
O governo, que havia liberado a compra de dólares por pessoas físicas, como parte do novo acordo do país com o FMI (Fundo Monetário Internacional), teve nos primeiros meses um cenário tranquilo no mercado de câmbio, com a moeda americana permanecendo no centro das bandas de flutuação.
Só que o esfriamento da atividade econômica, com uma queda nos últimos meses, e a dura derrota do governo nas eleições legislativas da província de Buenos Aires em 7 de setembro mudaram esse cenário.
O dólar furou o teto das bandas na metade do mês passado e o BCRA foi obrigado a torrar US$ 1,1 bilhão (R$ 5,9 bilhões) em três dias. Na semana passada, o que parecia ser uma corrida cambial foi freada por um salva-vidas lançado pelo secretário do Tesouro de Donald Trump, Scott Bessent, que disse que o governo americano faria o possível para ajudar a Argentina.
Nos dias seguintes, Milei se encontrou com Trump quando foi aos Estados Unidos participar da Assembleia das Nações Unidas. O republicano reforçou o apoio ao colega argentino e disse que apoiaria a reeleição de Milei em 2027.
Bessent, embora não tenha esclarecido os termos da proteção à Argentina, acenou com um possível acordo de swap (troca de moedas entre bancos centrais) de US$ 20 bilhões (R$ 106 bilhões) para depois das eleições de 26 de outubro.
O mercado respirou aliviado após o aceno dos Estados Unidos, com o dólar voltando a flutuar entre as bandas. Mas essa tranquilidade parece ter durado pouco. Na terça-feira, o peso argentino atingiu um pico de 1.450 (o teto da banda é de cerca de 1.485), e depois recuou, quando o Tesouro interveio no mercado oficial.
No fim da manhã desta quarta-feira (1º), o dólar oficial no varejo era vendido por 1.453 pesos argentinos. No atacado, a moeda era vendida por 1.427 pesos, 50 pesos acima do dia anterior, apesar de uma nova intervenção do Tesouro.
Em uma entrevista na terça-feira, Milei admitiu que o governo passa por uma crise de confiança que se reflete no mercado cambial. “Obviamente, algo está acontecendo”, comentou ele, ao também reconhecer que a atividade econômica “desacelerou drasticamente”. O presidente, no entanto, culpou a oposição por “atacar e começar a quebrar tudo”, com objetivos eleitorais.
Ignorando alertas de mais um ano, de economistas de diferentes correntes, o governo não comprou dólares para aumentar as reservas do país nos meses de tranquilidade e chegou fragilizado ao período entre as eleições locais e nacionais. Agora, tenta corrigir o erro.
Em uma análise publicada em seu blog, o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo -que já foi elogiado por Milei no passado, mas com quem o presidente rompeu- criticou a decisão do ministro da Economia, Luis Caputo, de eliminar temporariamente as retenções nas exportações agrícolas.
A medida resultou na entrada rápida de US$ 7 bilhões (R$ 37,2 bilhões) em três dias, o que fez o preço do dólar cair e permitiu ao BCRA comprar reservas. Cavallo advertiu que essa entrada de dólares seria temporária, pois esses fundos deixariam de entrar nos próximos meses, quando teriam que ser liquidados com o pagamento das retenções.
O ex-ministro sugere que o governo elimine completamente as restrições para compra de dólar e deixe o dólar flutuar sem estar limitado por bandas, o que Milei evita fazer antes das eleições, por temer o impacto da medida na inflação.