RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Para moradores e frequentadores de bares dos bairros nos extremos da cidade de São Paulo, não é novidade o batismo de bebidas alcoólicas com substâncias que barateiam a compra e venda. Consumidores relatam, porém, que vinham se intensificando os avisos informais, desde o início do ano, de que destilados e cervejas estavam sendo adulterados por fornecedores e distribuidores.
O QUE ACONTECEU
Donos de bares já alertavam clientes mais próximos sobre bebidas adulteradas antes dos casos suspeitos e confirmados de contaminação por metanol. Frequentadores de bares e adegas das zonas leste, sul e ABC Paulista vinham afirmando à reportagem, desde março deste ano, que os próprios comerciantes recomendavam a alguns clientes, sobretudo aos mais próximos e a idosos, que não comprassem de seus estabelecimentos cervejas mais baratas e que preferissem long necks.
Moradores relatam suspeitas sobre bares de Artur Alvim e São Miguel Paulista, na zona leste, no Grajaú, na zona sul, além das cidades de Santo André e São Bernardo do Campo. Os consumidores disseram que, ao receberem as recomendações, eram informados de que as adulterações ocorrem por esquemas de criminosos mais novos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). O governo estadual descarta envolvimento do PCC nos casos de intoxicação por metanol. A Polícia Federal afirma que vai investigar se há relação com o crime organizado.
Na final do Campeonato Paulista, torcedores passaram mal e receberam recomendações do que não beber. Em 27 de março, nos bares do entorno da estação Artur Alvim do Metrô, onde parte da torcida do Corinthians se concentra, o dono de um dos estabelecimentos recomendou a uma advogada que não comprasse, do próprio estabelecimento, bebidas que não fossem long necks.
Recomendação ocorreu depois de a advogada ter tomado cerveja da marca mais cara do bar, mas de 600 ml. A advogada afirmou à reportagem ter recebido relatos de que clientes estranharam o gosto das bebidas e passaram mal, com ressacas mais intensas que o usual, mesmo ingerindo pouca cerveja.
Dois jovens afirmaram que compraram um uísque em uma adega próxima da estação de trem de São Miguel Paulista, mas foram reclamar da qualidade. O caso ocorreu em maio. Segundo eles, o dono da adega sugeriu que os jovens fossem reclamar com traficantes que moram em uma favela próxima, porque a carga seria de responsabilidade dos criminosos. Desde então, dizem que eles e seus amigos nunca mais compraram no local.
Um motorista de aplicativo, morador de Santo André, diz que nunca tinha ouvido falar sobre contaminação por metanol, mas várias vezes sobre bebidas batizadas. Ele diz que frequenta bares e bailes funk do ABC e que costumava pedir um uísque mais caro, que continha na garrafa uísque mais barato. Esse tipo de adulteração de bebidas é o mais comum, de acordo com a Polícia Civil.
Produtor cultural do Grajaú, na zona sul, mudou de hábito por passar mal. Ele disse que, desde o início do ano, deixou de comprar destilados nas adegas do bairro ao perceber que passava muito mal no dia seguinte, o que não acontecia quando comprava no supermercado. O produtor disse que a informação informal que circula no bairro é a de que os adesivos das garrafas são trocados pelo de marcas mais caras e que a logística tem autorização do crime organizado para funcionar. A polícia não confirma a informação.
DADOS DE CONTAMINAÇÕES
Os números do governo federal e do governo estadual são divergentes.
Governo federal afirma que há três mortes de pacientes intoxicados por metanol no estado de São Paulo. Seis casos de intoxicação foram confirmados na cidade de São Paulo e outros dez estão em investigação: cinco na capital, dois em São Bernardo do Campo, um em Limeira, um em Itapecerica da Serra e um em cidade não informada.
Governo paulista fala em apenas uma morte de intoxicação por metanol confirmada outras quatro estão sendo investigadas. A gestão diz que há no estado outros 22 casos, sendo 7 confirmados e 15 em investigação.
Casos estão ligados ao consumo de diferentes tipos de bebida. Gim, uísque e vodca estão na lista. As bebidas foram consumidas em diferentes lugares, como bares e adegas. O governo paulista diz que primeiro caso foi registrado em 1º de setembro: de uma pessoa que teria se contaminado ao ingerir uma bebida em 28 de agosto.
PF vai investigar os casos, que podem estar além do estado. “Foi aberto inquérito na Polícia Federal para verificar a procedência dessa droga e a rede possível de distribuição”, disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em coletiva de imprensa, em Brasília.
Há risco de subnotificação. O Ciatox (Centro de Informação e Assistência Toxicológica) alerta que o número de casos pode ser maior, pois nem todos chegam ao conhecimento dos órgãos de vigilância e controle.
BARES DE SP FORAM FECHADOS
Quatro estabelecimentos foram interditados nesta terça-feira (30). Em São Paulo, os alvos foram um bar no Jardim Paulista, zona oeste, um na Mooca, zona leste, e uma distribuidora de bebidas na Vila Mariana, zona sul. Um outro bar foi fechado em São Bernardo.
Tarcísio de Freitas disse que fechamento dos bares ajudará a fiscalização. O governador de São Paulo disse que as documentações dos estabelecimentos serão conferidas para mapear a origem das bebidas compradas e poder chegar nas distribuidoras responsáveis.
Caso fique comprovado que não houve ilicitudes dos bares, eles serão reabertos. “Se houve boa-fé, a gente consegue fazer só a interdição da bebida, só a interdição do lote e o estabelecimento volta a operar com segurança”, completou o governador.
O QUE É METANOL
O metanol é uma substância tóxica e inflamável. Está presente em produtos como anticongelantes e removedores de tinta. É nocivo para a saúde se ingerido.
Até pequenas quantidades podem causar intoxicação. Segundo especialistas, a toxicidade do metanol está relacionada à dose que toma. Sintomas incluem náusea, vômito, dor de cabeça, visão turva, cegueira permanente, convulsões, coma, danos permanentes ao sistema nervoso ou morte.