SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal vê indícios de que a empresária Maria Beatriz Setti Braga, fundadora de um conglomerado de transportes no ABC Paulista, pode ter realizado pagamentos à organização criminosa que, segundo a corporação e o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), desviava recursos da Prefeitura de São Bernardo do Campo.

O caso culminou no afastamento do prefeito Marcelo Lima (Podemos). Procurada, a defesa do mandatário não se manifestou até a publicação deste texto.

O advogado de Setti Braga, que defende também familiares da empresária e a MBR Participações, citada na investigação, também não deu retorno. Ele foi procurado em três ocasiões; a primeira por telefone e as outras duas por mensagens.

Relatórios da PF a que Folha de S.Paulo teve acesso afirmam que o nome de Maria Beatriz aparece grafado como “Bia” em planilhas e mensagens encontradas com Paulo Iran Paulino Costa.

Segundo as investigações, ele é apontado como operador financeiro do prefeito afastado. Iran teve a prisão preventiva decretada em agosto, decisão mantida no início de setembro.

Em nota, sua defesa afirmou que a operação é nula e que vai contestar a validade da operação. “A defesa buscará nos autos a nulidade das apreensões e de todas as provas dela derivadas, pois não existia ordem judicial para entrada no domicílio. Os agentes cometeram verdadeira pescaria probatória, o que é vedado pelos nossos tribunais”, disse.

As menções a “Bia” aparecem em planilhas ou anotações ao lado de números. Em abril de 2025, por exemplo, Paulo teria escrito “Bia 400” numa mensagem direcionada a ele mesmo no WhatsApp. Em outubro de 2024, “100 bia”. O nome aparece também numa planilha manual apreendida pela polícia com diversas menções a “800” ou “500”.

A PF não diz o que significam os números ao lado dos nomes supostamente correspondentes a Setti Braga. Em trechos sobre outras anotações, porém, afirma que os números correspondem à quantia paga em milhares de reais.

Em uma conversa entre Paulo e o prefeito Marcelo Lima, por exemplo, há uma planilha com nomes e o número “500”. “É possível verificar que os valores como 500 aparentam ser, na verdade, R$ 500 mil”, diz a PF em um dos documentos aos quais a Folha teve acesso.

No caso de Setti Braga, diz a corporação, as suspeitas se estendem a uma outra empresa ligada à família: a MBR Participações S.A. Relatório da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da PF aponta que as empresas “representam um pilar fundamental no esquema investigado, caracterizado pela obtenção de contratos públicos milionários e pela subsequente movimentação de valores que retornam como vantagens indevidas pagas a servidores públicos”.

A sociedade anônima é presidida por Milena Braga Romano, filha de Maria Beatriz. Um dos diretores da empresa, segundo as investigações, estava registrado no telefone de Paulo Iran como “Amigo de Bia Braga”. Procurada, a defesa da empresa e a de Milena Braga Romano não se manifestaram.

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) determinou a quebra dos sigilos bancários e fiscal da MBR, que em 21 de agosto ingressou nos autos pedindo acesso ao inquérito. Não acolheu, contudo, o pedido contra Maria Beatriz Setti Braga e sua filha Milena.

À frente de concessionária de transporte público no ABC Paulista há décadas, a família Setti Braga também mantém relações próximas com políticos.

Em 2023, por exemplo, inaugurou as instalações da Eletra, ramo de veículos elétricos do conglomerado empresarial, em cerimônia da qual participaram o presidente Lula (PT), seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e ministros. “Somos um bom exemplo da nova indústria que está nascendo no país”, disse Milena Braga, sócia da Eletra e da MBR durante a solenidade.

Em nota, a secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que a participação do governo na solenidade “teve caráter estritamente institucional e público e foi amplamente acompanhada pela imprensa”.

“A proposta da agenda presidencial foi reforçar a centralidade do Estado no fortalecimento da indústria brasileira e destacar o papel de ônibus elétricos para o futuro sustentável da mobilidade no país”, disse.

Além de Lula e Alckmin, destacou a pasta, “o evento interministerial contou com a presença de vários outros ministros, entre eles Luiz Marinho, do Trabalho e Emprego; e Renan Filho, dos Transportes, além de prefeitos de municípios paulistas e parlamentares, funcionários, colaboradores e clientes da empresa”.

Duas décadas antes, em 2002, o empresário João Antônio Setti Braga, irmão de Maria Beatriz, disse que era obrigado a pagar propina a integrantes do governo Celso Daniel (PT), em Santo André.

Ele reafirmou a declaração em depoimento ao Senado durante a CPI dos Bingos, em 2006. “A propina mensal, que classifico de uma autêntica extorsão, era considerada como um custo político para a gente trabalhar sossegado”, disse.

João Antônio não chegou a ser denunciado pelo Ministério Público, que anos depois acusou outros empresários de integrar o esquema. O depoimento de Setti Braga foi utilizado para embasar o caso na Justiça.