BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Mais de 25% dos dividendos hoje isentos de tributação no Brasil são distribuídos por empresas que possuem no máximo um funcionário. Em 2023, ano em que o total de dividendos distribuídos totalizou R$ 960 bilhões, os donos das empresas de “uma pessoa só” pagaram a si mesmos quase R$ 250 bilhões livres da cobrança do IR (Imposto de Renda).

Esse diagnóstico sobre “de onde vêm” e “para onde vão” os dividendos faz parte de estudos realizados pela Receita Federal a partir de cruzamentos entre a base das declarações do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) e os dados extraídos de relatórios contábeis e fiscais apresentados pelas empresas brasileiras.

As empresas com só um funcionário representam cerca de 30% da amostra analisada e têm baixíssimo gasto com salários, mas alto percentual de lucro sobre seu faturamento: 31,5% em média. Já as empresas com até cinco funcionários representam 50% do total das companhias brasileiras, que pegam 45% do volume de dividendos distribuídos para residentes no Brasil.

Esse volume elevado de renda sem tributação é que está no alvo do projeto que aumenta a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 e cria um imposto mínimo para tributar os super-ricos como medida de compensação pela perda de arrecadação com a desoneração. A proposta, na prática, pode alcançar os dividendos, que são hoje isentos.

O projeto foi apresentado pelo Executivo e é relatado pelo ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). O texto, que já foi aprovado em comissão especial e teve a tramitação de urgência aprovada no plenário, manteve a criação do imposto mínimo, que será cobrado de quem ganha a partir de R$ 50 mil mensais (cerca de R$ 600 mil anuais), e a alíquota de 10% para quem ganha a partir de R$ 1,2 milhão ao ano. A votação no plenário da Câmara dos Deputados está prevista para esta quarta-feira (1º).

Os valores que ultrapassam os R$ 50 mil mensais correspondem a aproximadamente 50% do bolo de R$ 960 bilhões distribuídos a sócios e acionistas de empresas.

Atualmente o Brasil é um dos poucos países do mundo, junto com Estônia e Letônia, que isentam de Imposto de Renda os dividendos. Essa isenção, segundo seus defensores, seria uma compensação pelo fato de o lucro das empresas estar sujeito no Brasil a uma das maiores alíquotas de IRPJ do mundo.

Mas estudo divulgado em setembro pelo Observatório Tributário Europeu, em parceria com a Receita Federal, mostra que a alíquota efetiva de imposto pago pelas empresas é bem mais baixa do que esses 34%.

Entre as empresas de pequeno porte do Simples, por exemplo, o estudo detecta que a carga tributária se situa abaixo de 5% para a grande maioria, enquanto no lucro presumido varia de 10% a 20% e, entre as maiores empresas do lucro real, de 15% a 25%.

Na apuração especial realizada para esse estudo, os técnicos da Receita Federal conseguiram identificar um número expressivo de empresas que chegam a pagar menos de 1% de imposto sobre seu verdadeiro lucro.

Entre as menores, por exemplo, o percentual de empresas que pagam menos de 1% chega a 70% do total. Entre as maiores empresas, de 10% a 20% delas também chegam a registrar baixíssimas taxas de recolhimento de tributos devido aos inúmeros benefícios fiscais hoje existentes no Brasil.

Pela proposta de imposto mínimo apresentada pelo governo, o empresário recebedor de dividendos poderá ficar livre de pagar um adicional sobre seus dividendos -ou ter um desconto sobre o valor a pagar- se ficar demonstrado que já pagou 34% (ou algo próximo disso) na empresa. Para os técnicos da Receita, os dados reforçam a necessidade da mudança da tributação.

Em reunião com a Frente Parlamentar da Agropecuária, Lira disse nesta terça-feira (30) não saber de nenhum deputado que vá votar contra a isenção total do IR para quem recebe até R$ 5.000 e redução gradativa para quem recebe até R$ 7.350. Mas ressaltou que a compensação na arrecadação “vai ser a discussão do plenário”.

Na véspera da votação, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse à Folha de S.Paulo que está confiante na aprovação do projeto. “A reforma da tributação da renda no Brasil é mais que uma questão de justiça, é uma questão de decência”, disse o auxiliar do ministro Fernando Haddad (Fazenda).