SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O futuro da Ferrogrão volta ao debate no STF (Supremo Tribunal Federal). Está na pauta desta quarta-feira (1º) o julgamento que avalia a redução da área do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, para viabilizar a passagem da ferrovia e de faixas da BR-163.
Uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), apresentada pelo PSOL, argumenta que a supressão de 862 hectares do parque afeta povos indígenas da região e questiona o instrumento legal utilizado.
A Constituição prevê que os limites de áreas de conservação devem ser alvo de lei específica. Inicialmente, o limite do Jamanxim foi alterado por uma MP (medida provisória), depois, convertida na Lei 13.452/2017. O relator é o ministro Alexandre de Moraes.
O projeto Ferrogrão, também conhecido como EF-170, é um dos maiores projetos de infraestrutura da história do país. Prevê 933 km de ferrovia ligando o município de Sinop, em Mato Grosso, ao terminal portuário de Miritituba, no Pará, cortando a região amazônica. Sua proposta é ampliar e agilizar o escoamento de grãos, especialmente soja e milho, para exportação através do Arco Norte.
A ferrovia é defendida por entidades do agronegócio e grandes empresa de comercialização e logística, como Cargill, Bunge e Amaggi. Foi lançada no governo de Michel Temer (MDB), avançou bastante na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e, agora, é encampada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que incluiu o projeto no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Na segunda-feira (29), a Repam-Brasil, organismo ligado à CNBB, enviou carta ao STF pedindo a rejeição da Ferrogrão. Na avaliação da Rede, o projeto é um retrocesso ambiental, representa uma violação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto na Constituição, além de um risco ao ecossistemas, aos povos indígenas e territórios amazônicos.
Apesar de a oposição ser atribuída apenas a ambientalistas, a viabilidade da Ferrogrão é questionada também por quem entende de logística. Está nesse grupo um dos maiores especialistas em infraestrutura do Brasil, Claudio Frischtak, fundador e sócio-diretor da Inter.B, Consultoria Internacional de Negócios.
“O projeto não é viável do ponto de vista econômico-financeiro, a menos que seja bancado pelo setor público. Seria uma obra pública travestida de concessão”, afirma o especialista que já produziu estudos sobre o projeto.
Segundo suas análises, a TIR, Taxa Interna de Retorno, indicador financeiro que mede a rentabilidade de um projeto, está próxima de zero. Na prática, isso significa que o setor privado não conseguiria retorno que justificasse o investimento, e seria preciso aporte público, caso o governo realmente entenda que se trata de obra suficientemente vital.
Pelas projeções, o Tesouro Nacional teria de arcar com algo como R$ 32,5 bilhões ao longo do período de implantação.
Na avaliação de Frischtak, no entanto, ainda que se ignorasse essa questão financeira básica, há outros impedimentos técnicos.
A conexão ferro-hidroviária em Miritituba, no rio Tapajós, pode ser comprometida pelas secas na amazônia, cada vez mais intensas. Haveria redução drástica da capacidade de escoamento ou até mesmo a inviabilidade do transporte de grãos por cerca de cinco meses.
A questão ambiental não é desprezível, afirma o consultor. Pelas suas análises, a implantação da ferrovia induziria o desmatamento de vegetação nativa em Mato Grosso, levando a emissões de carbono que seriam cerca de 20 vezes superiores a uma hipotética redução de emissões pelo uso da ferrovia.
O consultor diz, ainda, que a construção Ferrogrão, na prática, por anos, inviabilizaria o transporte de grãos pela BR-163, que se tornaria “estrada de serviço” da empreitada. As contas foram feitas. A obra demandaria a movimentação de mais de 176 milhões de metros cúbicos de terra para a terraplanagem, exigindo mais de 12,5 milhões de viagens de caminhão
Em resumo, mesmo com os ajustes, Frischtak afirma que o projeto básico da Ferrogrão é de baixa qualidade. Pelo aspecto técnico, lembra que foi considerado marginalmente viável por meio da aplicação do chamado IBG (Índice de Benefícios Gerais), cuja metodologia é questionável e atribui notas que superestimam aos benefícios e desconsideram custos e impactos adversos.
“Há alternativas melhores, com custo mais baixo e de menor impacto ambiental”, afirma Frischtak.
Entre outros projetos que ele defende está, por exemplo, a extensão da Ferrovia Norte-Sul, de Açailândia, no estado do Maranhão, ao porto de Vila do Conde, em Barcarena, no Pará, que tem menos de 500 km de via férrea.
A conexão com o porto fica na margem direita do rio Pará, na baía de Marajó, no local chamado Ponta Grossa. Ali ocorre a confluência dos rios Amazonas, Tocantins, Guamá e Capim, que dá acesso ao oceano Atlântico e, por isso, não sofre oscilações de calado durante o ano.
Em artigo recente, o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, mostrou que o governo Lula está empenhado em levar o projeto adiante. Traçou um histórico, destacando que a atual gestão fez as audiências com a sociedade civil e trabalhou para acabar com lacunas em relação a sustentabilidade e compensação ambiental.
“O projeto representa um teste de maturidade para o país: mais que transportar grãos, ele carrega a responsabilidade de provar que desenvolvimento econômico e sustentabilidade podem caminhar juntos”, escreveu.
Também citou números, afirmando que a Ferrogrão poderá transportar 70 milhões de toneladas por ano, reduzindo em 20% o frete, e tirar da atmosfera 3,4 milhões e toneladas de CO2 equivalente.
Nas entrelinhas, foi uma provocação ao mercado, porque existe a necessidade de garantir contratos para a carga. Como a quantidade de recursos para obra, de fato, é muito grande, a percepção é que a Ferrogão dependeria de uma modalidade de financiamento conhecida como “project finance”, em que a estruturação do empréstimo tem como base a capacidade do próprio empreendimento de gerar receita.
O projeto da Ferrogrão está suspenso desde março de 2021, quando Alexandre de Moraes concedeu liminar suspendendo a eficácia da Lei nº 14.285/2021.
Em setembro de 2023, ele encaminhou o caso para o Cesal (Centro de Soluções Alternativas de Litígios) do STF, na tentativa de solução consensual entre as partes. Em maio de 2024, STF decidiu manter a suspensão da ação, aguardando a conclusão dos estudos e atualizações sugeridas durante a tentativa de conciliação.