BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Às vésperas do julgamento da ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode decidir a viabilidade ou não da Ferrogrão, projeto de ferrovia discutido há mais de dez anos, prevista para ligar Mato Grosso e Pará, o governo alinhou argumentos que pode usar em uma eventual apresentação de “razões finais” à corte.
Nesta quarta-feira (1º), o STF julga a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que trata da lei que alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim, localizado no Pará. Em 2017, uma enviada reduziu os limites do parque, retirando dele uma área de 862 km². O objetivo era permitir a passagem do traçado da ferrovia.
A ação proposta pelo PSOL em 2020 argumenta que a redução do parque é inconstitucional, porque teria sido feita por lei ordinária, quando a Constituição exige lei complementar ou decreto específico para alterar unidades de conservação. Afirma, ainda, que fere fragiliza uma área de proteção integral da amazônia.
O argumento central do Ministério dos Transportes e de sua consultoria jurídica é que o traçado atual da ferrovia não invadiria o parque, mantendo-se integralmente na “faixa de domínio” da BR-163, que considera uma área e 40 metros de cada lado da estrada, no caso da BR-163.
A tese do governo, portanto, é defender a viabilidade da Ferrogrão, mesmo que a corte declare inconstitucional a lei que reduziu os limites do Jamanxim.
“Em verdade, estando o traçado inserido em área que não está de fato afetada ao Parna, nem sequer é correto afirmar que o traçado intercepta o parque, mas sim que margeia área contígua a ele”, diz o documento assinado pela Coordenação-Geral de Obras e Projetos do ministério.
O traçado total do projeto, que tem início em Sinop (MT) e segue até os terminais de Miritituba, distrito de Itaituba (PA), tem 933 km de extensão. Segundo os estudos atuais, um trecho de 49 km passa dentro do Parque Nacional do Jamanxim, mas na faixa de domínio da rodovia, que já corta a unidade de conservação.
“O traçado escolhido é a solução com menor impacto ambiental, eis que contornar o Parna implicaria em atravessar áreas protegidas”, diz a nota do MT. “Qualquer outro traçado seria muito mais danoso para a floresta amazônica. O Parna do Jamanxim é cercado por outras áreas de preservação não antropizadas que, por óbvio, sofreriam prejuízo muito maior do que a opção escolhida.”
A defesa governamental também aposta em mostrar aqueles que seriam os possíveis benefícios socioeconômicos da ferrovia. Nos cálculos do governo, a Ferrogrão poderia reduzir em até 3,4 milhões de toneladas por ano as emissões de dióxido de carbono (CO?), substituindo parte do transporte de cargas feito por caminhões que cortam a BR-163. Até 1,2 milhão de viagens de caminhões por ano deixariam de ocorrer na rodovia.
O MT também projeta uma queda média de 20% nos custos logísticos para o escoamento da produção agrícola do Centro-Norte, o que representaria um ganho estimado de R$ 7,9 bilhões anuais.
Para enfrentar resistências de organizações indígenas e socioambientais, o governo também enumerou medidas de compensação. Segundo o documento, estão previstos R$ 800 milhões em programas de mitigação socioambiental, o equivalente a 5,9% do investimento total do projeto, contemplando 56 programas, 22 a mais que os previstos no Estudo de Impacto Ambiental de 2020.
O ministro do STF, Edson Fachin, novo presidente da corte, é o relator do caso e já havia suspendido os efeitos da lei que reduzir o Jamanxim, em decisão liminar de 2021. O pano de fundo do julgamento é a disputa sobre até onde vai a competência legislativa para reduzir áreas protegidas.
O STF já enfrentou casos semelhantes. Em 2012, a corte considerou inconstitucional a redução de unidades de conservação por medida provisória, mas modulou os efeitos para não anular obras já em andamento. Em 2023, o tribunal julgou inconstitucional uma lei complementar de Rondônia que reduzia reservas ambientais estaduais.
O plano do governo, portanto, é contar com um “plano B” para evitar que o projeto morra na esfera judicial. Ao dizer que a ferrovia foi redesenhada para se manter nos limites da BR-163, sinaliza que a obra poderia avançar, que não viola o parque nacional.
Um grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Transportes e formado por instituições como a Rede Xingu+ e o ISA Instituto Socioambiental (ISA) apresentaram propostas para aprimorar o projeto, mas o grupo acabou perdendo força e tanto a Rede Xingu+ quanto o ISA decidiram se retirar, alegando que o processo não estava garantindo uma participação efetiva, nem respeitando os direitos de consulta prévia das comunidades indígenas.
A avaliação dos ambientalistas é que a implantação da ferrovia tende a estimular o avanço de atividades ilegais, como desmatamento, grilagem e garimpo, além de abrir espaço para a expansão acelerada da fronteira agrícola sobre áreas até hoje preservadas.
Em julho, o Instituto Kabu, representando 18 comunidades indígenas Kayapó e Panará, ingressou com uma ação civil pública contra a ANTT, alegando que o processo de concessão da ferrovia foi conduzido sem a devida consulta aos povos originários. As entidades também pedem uma indenização por dano moral coletivo de R$ 1,7 bilhão -o projeto é avaliado em R$ 34 bilhões.
O ISA chama a atenção para a ausência da análise de risco climático e fragilidade metodológica no cálculo dos benefícios econômicos do projeto. O instituto diz, ainda, que os estudos desconsideram a hidrovia do Tapajós como parte essencial do projeto, sendo que o volume de carga que atualmente é escoado pelo sistema BR-163 e hidrovia Tapajós aumentaria em cinco vezes.
Há críticas, ainda, sobre o detalhamento e a suposta exclusão de custos sociais, como desapropriações, conflitos fundiários e impactos sobre comunidades tradicionais.