SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) empurrou para o início de 2026 a decisão definitiva sobre a chamada Moratória da Soja. Até lá, os efeitos da medida preventiva que anulava entendimento firmado desde 2006 entre grandes tradings exportadoras de grãos, associações do setor e organizações ambientais estão suspensos.
A decisão dá três meses de prazo para que seja negociada uma solução de consenso quanto aos efeitos concorrenciais.
“Os acordos entre concorrentes precisam ser notificados ao Cade. É necessário protocolo antitruste para fiscalizar as empresas para que cumpram a legislação concorrencial”, disse o presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima.
Moratória da Soja tornou-se a denominação para a união de empresas exportadoras que se comprometeram a monitorar por satélite e por auditorias independentes toda a produção da Amazônia e a criar uma lista negra de fazendas consideradas irregulares. Isso evitaria a perda de mercados e boicotes do exterior.
Assim, qualquer produtor enquadrado nessa lista fica automaticamente impedido de vender sua safra para mais de 30 tradings que assinaram o pacto, entre elas gigantes como Cargill, Bunge, ADM, Amaggi e Louis Dreyfus. Havia pressão internacional, principalmente da Europa, para conter o avanço do desmatamento.
Diante de denúncias de entidades nacionais e governos estaduais, o Cade começou a investigar se essa autorregulação ambiental funcionaria como cartel. Ao agir de forma conjunta e padronizada, as tradings estariam impondo regras próprias aos produtores acima do Código Florestal brasileiro.
Por decisão da superintendência geral do órgão, os efeitos da moratória foram suspensos no mês passado. Dias depois, mandado de segurança da Justiça Federal os restabeleceu.
Por 4 votos a 2, o Cade resolveu abortar os efeitos da sua própria medida, mas apenas até 31 de dezembro. Em teoria, a suspensão volta a vigorar em 1º de janeiro de 2026.
“O recado mais claro por enquanto é que não dá para firmar acordos de sustentabilidade sem algum nível de envolvimento do Cade. O Tribunal quer participar dessas discussões. No caso específico da Moratória, houve por bem alinhar-se ao posicionamento do STF, de forma a permitir que tanto as empresas quanto os produtores rurais, poder público e ONGs desenvolvam um formato que consiga atender a todos os interesses e princípios”, diz a advogada especialista em condutas competitivas e ex-chefe de gabinete do Conselho.
A ideia da decisão temporária foi do conselheiro José Levi Mello do Amaral Júnior. Ele foi uma das autoridades brasileiras a ter visto americano cancelado pelo governo de Donald Trump, na esteira de medidas relacionadas à condenação do presidente Jair Bolsonaro (2018-2021).
“Temos tempo para que as partes privadas e públicas possam dialogar nos termos que considerarem cabíveis e a decisão do Cade fica alinhada com o STF [Supremo Tribunal Federal]. É um incentivo ao diálogo construtivo”, disse ele.
A referência é à ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 774, que trata da proibição de benefícios fiscais a empresas que participam de acordos comerciais que limitam a expansão do agro. Um exemplo é a Moratória da Soja. O caso está com o ministro Flávio Dino.
A solução de Amaral Júnior foi acompanhada pelos conselheiros Victor Oliveira Fernandes, Diogo Thomson de Andrade e Camila Cabral Pires Alves.
No julgamento, Camila e Thomson se mostraram inclinados a derrubar totalmente a decisão da superintendência e manter os efeitos da moratória em definitivo, descartando a visão de que seria um cartel. Mas adotaram o tom mais conciliatório de votar com Amaral Júnior.
“Os conselheiros reconhecem que esse tema é novo para o Cade. Um acordo de colaboração para fins de sustentabilidade demanda uma análise cuidadosa e apurada. Não se pode falar que existe ilícito concorrencial neste caso. Há um incentivo para que as partes conversem e eventualmente cheguem a um acordo”, disse o advogado Frederico Favacho, que representou a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais).
O relator Carlos Jacques defendeu a suspensão da Moratória da Soja porque considera que trata-se de um acordo com poder de criar poder de barganha para um número restrito de traders. Citou queda de 6% do PIB das cidades afetada pelo entendimento e aumento de 16% no preço do óleo de soja.
Os conselheiros que votaram pela manutenção da moratória lembraram que ela existe desde 2006.
“A suspensão pode ser interpretada como recuo brasileiro e abala a credibilidade do Brasil como fornecedor de produtos sustentáveis, principalmente às portas da COP30”, afirmou Thomson.
Não foi uma versão comprada pelo presidente do Cade, que votou com o relator. Ele vê nisso tudo também uma questão de soberania, antes de homologar o resultado.
“Estamos no meio de uma guerra comercial e com dificuldade para entrar no mercado americano. Vejo o perigo de produtores não poderem se adequar a um perigo comercial que vai quebrar muita gente. Não podemos deixar quatro ou cinco empresas brasileiras decidir quem pode e que não pode produzir soja no Brasil”, resumiu Freitas de Lima.
Camila Cabral pediu que, caso não haja nenhuma mudança até o final de 2025, que o Cade volte a deliberar sobre o tema em caráter de urgência.
“O Cade entendeu cabível uma modulação que preservasse, em parte, compromissos enquanto a investigação prossegue e foram avaliadas evidências que a moratória efetivamente operou como mecanismo de exclusão de alguns produtores. Uma atuação coordenada em normas de compra, compartilhamento de informações e monitoramento”, afirma Ieda Queioz, advogada especializada no setor de agronegócios.