BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União), órgão que analisa o processo de licitação do megaterminal de contêineres do porto de Santos (SP) e que sinalizou ser contra a realização do leilão bilionário em duas etapas, já teve posição favorável a este modelo em outras licitações portuárias. O caso tem sido alvo de controvérsia e gerado embates tanto entre empresas interessadas quanto no poder público.

Em dois casos recentes, a corte foi favorável à proposta feita pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e validou o modelo de concorrência em duas fases, com restrição à participação de operadores já atuantes nos terminais na primeira etapa.

Em 2022, quando analisou o processo para o arrendamento do terminal MAC13 de contêineres, do porto de Maceió, o plenário do TCU acolheu a avaliação da SeinfraPortoFerrovia, área técnica especializada em infraestrutura portuária. O parecer era claro ao recomendar o leilão em duas fases, como forma de priorizar a entrada de operadores independentes e não verticalizados. À época, a avaliação foi a de que o modelo “ajuda a mitigar os riscos de concentração vertical”.

A justificativa era que, ao dar preferência a novos entrantes, a autoridade pública garantiria competição mais aberta ao longo de todo o contrato, e não apenas uma disputa inicial de preços.

O mesmo raciocínio apareceu em 2023, no processo de desestatização do porto de Itajaí, em Santa Catarina. Neste caso, a equipe técnica do TCU discordou da EPL (Empresa de Planejamento e Logística), que defendia uma disputa única sem restrições, sob o argumento da isonomia.

Em seu relatório, afirmou que a licitação em duas etapas abriria a “oportunidade de melhoria substancial do mercado concorrencial, cujos efeitos perdurarão por décadas” e que, caso se optasse pelo leilão em fase única e totalmente aberto, poder se colocar “em risco o bom funcionamento do setor durante toda vigência da concessão”.

À época, os técnicos do tribunal calcularam o impacto no “índice de concentração de mercado” (HHI, usado internacionalmente para medir monopólios), para concluir que, se um novo entrante vencesse a disputa, esse índice cairia, aproximando a concentração ao limite de 20% definido pela legislação brasileira e ao patamar de 40% usado pela Comissão Europeia.

A prioridade não era apenas ampliar a arrecadação imediata com lances de outorga no leilão, portanto, mas proteger a competição no longo prazo.

Antes destes dois casos, em 2019, o TCU também chegou a se debruçar sobre o leilão de terminais de granéis líquidos (STS13 e STS13A) no porto de Santos, durante a expansão da capacidade de combustíveis no complexo.

Neste caso, não chegou a sugerir formalmente um leilão em duas fases, mas impôs uma regra de restrição. Sua determinação previa que “empresas ou grupos econômicos com participação de mercado relevante só poderão ser declaradas vencedoras na hipótese de não haver outro licitante que tenha apresentado proposta válida”.

O governo, em resposta, reconheceu “o risco de haver concentração excessiva neste segmento” e ajustou o edital. Na prática, isso significou que grandes grupos só poderiam vencer se não houvesse competidores menores, preservando a concorrência sem precisar dividir o leilão em duas etapas.

Os casos mostram que o TCU já endossou diferentes mecanismos para blindar a concorrência no setor portuário. Em todas as análises, a preocupação foi evitar que os leilões reforçassem a posição de empresas já dominantes, para permitir que novos operadores tivessem condições de entrar no mercado.

No fim de agosto, a área técnica do TCU emitiu um parecer contrário às restrições no leilão do Tecon Santos 10 e recomendou a licitação em fase única e aberta a todos os concorrentes.

Na última sexta-feira (26), acabou o prazo dado pelo ministro da corte Antonio Anastasia ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e ao MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) para que expusessem mais argumentos técnicos sobre a defesa de um leilão em duas etapas.

Um novo parecer deve ser levado a Anastasia, para conclusão de seu voto e envio ao plenário da corte. O megaterminal de contêineres tem previsão de ser leiloado na segunda quinzena de dezembro, segundo o ministro do MPor, Silvio Costa Filho.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o MPor encaminhou sua manifestação oficial ao TCU, na qual faz uma defesa enfática do modelo de leilão em duas etapas do Tecon Santos 10, considerado o maior negócio portuário da história do país.

É uma visão diferente do Ministério da Fazenda, que no fim do mês passado recomendou à corte que o certame seja realizado em fase única, sem restrições de participantes, por proporcionar “maior concorrência”. O documento foi preparado pela Seae (Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação) da Secretaria de Reformas Econômicas.

A modelagem escolhida pela Antaq prevê que, em um primeiro momento, apenas empresas que ainda não operam no porto de Santos possam apresentar propostas. Caso não haja interessados, abre-se uma segunda etapa, permitindo também a participação de companhias já instaladas no local.

Segundo o MPor, esse modelo “não deve ser interpretado como restrição à disputa do certame, mas como medida de política pública voltada ao interesse coletivo”. “Ao fomentar a concorrência ao longo de todo o ciclo contratual, o poder concedente busca assegurar menores tarifas aos usuários, maior qualidade na prestação dos serviços e retorno mais amplo e duradouro ao país.”