SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O importador estatal da China de minério de ferro decidiu suspender todas as compras da gigante australiana BHP, informou nesta terça-feira (30) a Bloomberg, citando fontes com conhecimento no assunto. A decisão pegou o mercado de surpresa, já que a mineradora é uma das maiores fornecedoras do mineral do mundo e os chineses os principais consumidores.
Por trás da suspensão está uma disputa entre o governo chinês e a BHP sobre os preços do minério de ferro. Maiores consumidores e com uma demanda interna por aço diminuindo ao longo dos últimos meses, os chineses querem ter maior controle sobre os preços de minério de ferro o que não agrada a gigante australiana, dona de 20% do mercado global do insumo.
As partes vinham se reunindo várias vezes desde a semana passada, mas as conversas não evoluíram, segundo a Bloomberg.
Com isso, a CMRG (China Mineral Resources Group), criada por Pequim há três anos para concentrar as importações de ferro e dar mais força ao país nas negociações com as mineradoras ocidentais, decidiu suspender a compra de todos os tipos de minério de ferro vendidos pela BHP. No início do mês, o braço importador já havia suspendido a compra de uma das principais mercadorias dos australianos.
A suspensão divulgada nesta terça significa que novos acordos não poderão ser assinados, inclusive para cargas que já saíram da Austrália, onde a BHP possui suas minas. A mineradora, segundo o conglomerado financeiro UBS, exporta 70% de seu minério de ferro para a China.
Procurada, a mineradora australiana não respondeu aos questionamentos da Folha de S.Paulo.
A decisão pegou o mercado de surpresa, já que não se esperava uma escalada no conflito entre os chineses e australianos a este nível. Na visão de um analista do mercado ouvido pela Folha de S.Paulo, a China “traçou uma linha na areia” com a medida.
A concepção de alguns analistas é que o domínio econômico da China ampliou consideravelmente a ponto de o país ser capaz de controlar até o mercado de minério de ferro, o mais volumoso dos minerais. Há algumas semanas, o país também anunciou suspensões na comercialização de terras raras, que apesar de ter um mercado menor que o de minério de ferro, é estratégico para a fabricação de tecnologias avançadas.
“Este episódio reflete mais do que apenas uma disputa de preços, sinaliza uma mudança estrutural na forma como a China está gerenciando sua aquisição de minério de ferro. A criação e assertividade da CMRG como compradora centralizada introduz uma nova camada de complexidade nas negociações com mineradoras globais”, disse Artur Bontempo Filho, consultor da Wood Mackenzie, à Folha de S.Paulo.
“Embora este impasse particular possa ser resolvido em breve devido à dependência mútua, o equilíbrio de poder está evoluindo, e mineradoras como a BHP podem enfrentar pressão mais coordenada e estratégica dos compradores chineses no futuro”, acrescenta.
A decisão, apesar de abrir caminho para que outras mineradoras aumentem suas participações no mercado chinês, tende a pressionar as demais gigantes globais, como a Vale e a australiana Rio Tinto. Primeiro, porque alguns produtos vendidos pela BHP não são facilmente substituíveis e, segundo, porque se vitoriosos na negociação os chineses podem adotar as mesmas medidas com as demais empresas.
“No curto prazo a China poderia redirecionar compras para Rio Tinto, Vale e Fortescue. No entanto, uma suspensão de compras de volumes da BHP poderia levar a um aumento de preços do minério de qualquer maneira, já que a BHP é um dos três maiores fornecedores do país”, diz Daniel Sasson, analista de commodities do Itaú BBA.
É incerto, no entanto, até quando as siderúrgicas chinesas conseguirão ficar sem novos fornecimentos de minério de ferro da BHP. A indústria chinesa, ainda que encare uma demanda interna menor, aumentou as exportações de aço nos últimos anos. O UBS, por exemplo, diz ser improvável que a suspensão dure muito tempo, ainda que “reflita mudança no comportamento de compra” dos chineses.
Sasson, do Itaú BBA, pensa semelhante: “Substituir a BHP parece difícil, ineficiente e caro, dado o potencial aumento de preço do minério de ferro nesse cenário.”