PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Uma bactéria geneticamente modificada conseguiu um feito inédito: transformar PET (o polietileno tereftalato de algumas garrafas plásticas) em paracetamol, remédio altamente difundido principalmente para tratamento de febre e dores. O resultado foi promissor por mostrar que é possível produzir o medicamento por vias inovadoras —e, nesse caso, ainda atuando contra a poluição plástica.

Publicada em junho deste ano na revista científica Nature Chemistry, a pesquisa partiu de uma reação química chamada rearranjo de Lossen. Stephen Wallace, professor de biotecnologia química na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e um dos autores do artigo, diz que essa reação possibilita a transformação da molécula éster de hidroxamato em um isocianato intermediário. Ao entrar em contato com água, esse isocianato se transforma em aminas primárias, substância importante para a produção de diferentes remédios, incluindo o paracetamol.

Até então, não havia registros bem-sucedidos do rearranjo de Lossen em organismos vivos. Então, os autores do estudo modificaram a bactéria E. Coli para realizar esse processo sem matar o organismo vivo, algo chamado de reação química biocompatível. E deu certo, principalmente por causa do fosfato, uma substância naturalmente encontrada na bactéria.

“Reações biocompatíveis como essa são empolgantes porque nos permitem combinar o poder da química com a flexibilidade da biologia, abrindo novas portas para a produção de medicamentos e materiais de uma forma mais limpa e sustentável”, resume Wallace.

O estudo teve um enfoque grande na sustentabilidade em razão da ideia de transformar PET em paracetamol. Para isso, os pesquisadores inicialmente decompuseram o plástico em ácido tereftálico, uma substância da qual o PET é derivado. Então, a bactéria modificada para realizar o rearranjo de Lossen foi capaz de converter essa substância em PABA, um intermediário essencial para sintetizar o paracetamol.

“Adicionamos mais algumas enzimas, retiradas de bactérias do solo e cogumelos, para que as bactérias possam completar as etapas finais e produzir paracetamol inteiramente dentro da célula. Assim, o PET se transforma em um medicamento, com a biologia fazendo a maior parte do trabalho”, completa Wallace.

Os resultados dessa empreitada foram positivos. Em alguns experimentos, a bactéria modificada foi capaz de converter 83% do material derivado do PET no remédio utilizado contra dor e febre. Em outros experimentos, esse índice foi até maior, chegando a 86% e 92% no rendimento em converter a substância em remédio.

A sustentabilidade também foi um fator importante para o enfoque no paracetamol. Esse medicamento é essencial, mas sua produção normalmente é realizada a partir de combustíveis fósseis e envolve grandes emissões de carbono, explica Wallace. A ideia do estudo foi demonstrar que talvez haja formas mais sustentáveis de desenvolver o remédio —nesse caso, ainda ajudando a diminuir o acúmulo de plásticos descartados na natureza.

Mas, mesmo que os resultados tenham sido promissores, ainda falta muito para o mecanismo do estudo alcançar os mesmos números da produção industrial do paracetamol. No momento, Wallace e seus colegas de pesquisa já buscam avançar nesse campo de estudo.

O professor da Universidade de Edimburgo afirma que um dos objetivos é melhorar a produtividade da bactéria modificada. A partir de tais alterações, a E. Coli seria capaz de “crescer mais rapidamente, lidar com concentrações mais altas da matéria-prima derivada do plástico e produzir maiores quantidades de paracetamol”.

Otimização nas condições de fermentação, o que melhoraria a escala dessa produção e diminuiria custos, e desenvolvimento de sistemas mais adequados ao uso industrial também são outros caminhos mencionados pelo pesquisador.