SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação na Justiça Federal para que seja proibida a aplicação de multas a motoristas que deixem de pagar as tarifas do novo sistema de cobrança de pedágio de passagem livre a ser implementado na rodovia Presidente Dutra.

Até o fim do ano começam a operar 21 pórticos de pedágio free flow em um trecho de 25 quilômetros entre capital paulista e Arujá, na região metropolitana de São Paulo. São 12 pontos na pista em direção ao Rio de Janeiro e nove no sentido contrário

Já instalados, mas ainda sem funcionar, esses pórticos ficam nas novas entradas e saídas das pistas marginais para as expressas.

Pagará quem rodar pela pista expressa. Se o motorista se deslocar apenas pelas vias marginais não será tarifado.

O preço desses pedágios deverá ser maior em horários de pico e em feriados, como justificativa para distribuir o trânsito.

Segundo o MPF, pelo modelo, há risco elevado de que o sistema gere milhões de multas indevidas e leve motoristas ao superendividamento e à impossibilidade de dirigir pelo acúmulo de pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação).

Em nota, a concessionária CCR RioSP, empresa do grupo Motiva, que administra a rodovia, disse não ter sido oficialmente notificada pela Justiça e que quando isso ocorrer, adotará as medidas cabíveis, conforme previsto em lei.

Também em nota, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) afirma que vai se manifestar nos autos, “sempre visando o alto padrão de qualidade na prestação do serviço aos usuários, respeitando os aspectos legais, regulatórios e contratuais”.

Pelo modelo free flow, em vez de uma praça de pedágio, são usados pórticos com câmeras capazes de identificar as placas de veículos em movimento ou o sinal das tags (do mesmo tipo usado em pedágios convencionais e estacionamentos de acesso sem parada).

Para veículos com tags válidas, a cobrança é feita automaticamente pela operadora contratada.

Quem não conta com esse dispositivo colado no para-brisa tem até 30 dias para fazer o pagamento.

Responsáveis pelas rodovias devem criar canais digitais, como sites e aplicativos, ou mesmo locais físicos, para que o usuário consiga fazer o pagamento do pedágio.

O MPF diz que o sistema de cobrança eletrônica não tem natureza jurídica de pedágio, uma vez que constitui um serviço alternativo oferecido aos motoristas para evitarem congestionamentos em vias laterais, sem o objetivo de angariar recursos para a manutenção da rodovia.

“A cobrança das tarifas enquadra-se em uma relação de consumo entre motoristas e a empresa concessionária, cujas circunstâncias e consequências devem ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, não pelas leis de trânsito”, afirma em texto.

O MPF estima que até 5 milhões de multas de trânsito poderão ser aplicadas anualmente na Dutra por falta de pagamento do pedágio eletrônico, pelo fato de os motoristas desconhecerem o novo modelo ou encontrarem dificuldades para quitar os débitos.

“Medidas anunciadas pela concessionária, como a afixação de painéis informativos na rodovia, a disponibilização de canais digitais de atendimento e a adoção de períodos experimentais sem aplicação de multa, revelaram-se insuficientes em outras vias onde o free flow já está em operação”, afirma.

O procurador da República Guilherme Rocha Göpfert, autor da ação cível, cita o exemplo do trecho da rodovia Rio-Santos, no Rio de Janeiro, onde mais de 1 milhão de multas foram aplicadas em 15 meses, com impacto financeiro de R$ 268 milhões aos motoristas. A estrada federal é administrada pela mesma concessionária da Dutra.

“Muitos desses usuários só tomaram ciência das cobranças quando receberam as notificações de infração, apesar das ações informativas e dos períodos de isenção das sanções que a empresa afirmou ter adotado previamente”, diz.

O MPF ainda pede que a Justiça Federal declare —com efeitos válidos para todas as rodovias do país— a inconstitucionalidade das alterações promovidas em 2021 no CBT (Código de Trânsito Brasileiro) que equiparou a falta de pagamento nesses modelos de cobrança eletrônica à evasão de pedágios convencionais.

Nos dois casos, a multa fixada é de R$ 195,23, mais cinco pontos na CNH.

“As condutas são totalmente diferentes. Na evasão de pedágio, o motorista age dolosamente para fugir da cobrança, com rompimento de cancelas e outras ações que colocam em risco sua própria integridade física e a dos demais usuários, o que justifica a adoção de sanções pelo poder público”, afirma o MPF.

“Já a inadimplência em sistemas de tarifa eletrônica não implica ameaças à segurança viária e, em muitos casos, sequer deriva de má-fé dos usuários.”

A ANTT diz considerar que o free flow representa uma nova era na forma de cobrança de pedágio em rodovias concedidas no Brasil, permitindo ampliar a segurança viária, fluidez e conforto para os usuários. “Além dos testes [são dois anos], o tema segue sendo amplamente debatido com a sociedade por meio das reuniões participativas e audiências públicas, além de uma comunicação ativa com todos os atores envolvidos, incluindo o MPF.”