BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Edson Fachin, defendeu em seu discurso de posse no cargo contenção e independência no Judiciário, pregou o diálogo com outros Poderes e demonstrou apoio ao colega Alexandre de Moraes, relator de casos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.

“A independência judicial não é um privilégio, e sim uma condição republicana. Um Judiciário submisso, seja a quem for, mesmo que seja ao populismo, perde sua credibilidade. A prestação jurisdicional não é espetáculo. Exige contenção”, disse Fachin nesta segunda-feira (29).

O ministro assume o comando da corte no momento em que ministros, como Moraes, são alvos de sanções do governo Donald Trump, nos Estados Unidos, por causa do julgamento de Bolsonaro e durante tensões com o Congresso em razão de ações envolvendo emendas parlamentares, entre outros temas.

Fachin sucede Luís Roberto Barroso no cargo. Ao falar de Moraes, ele disse que o ministro é “um amigo e um juiz como fortaleza” e, como integrante do tribunal, “merece nossa saudação e nossa solidariedade, e sempre a receberá”.

No discurso, Fachin defendeu a separação entre o Judiciário e o mundo político. Uma das queixas constantes no Congresso é a de que o Supremo invade a atuação do Legislativo.

“Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao direito, o que é do direito. À política, o que é da política”, disse o ministro. “A separação dos Poderes não autoriza nenhum deles a atuar segundo objetivos que se distanciem do bem comum”, acrescentou.

O novo presidente do Supremo também prometeu uma gestão austera no uso dos recursos públicos pelo Judiciário, que tem sido alvo de críticas nos últimos anos pela profusão de penduricalhos usados para turbinar o salário de juízes.

Ao longo de seu mandato na presidência, Barroso fez uma série de manifestações contrárias às críticas aos gastos da Justiça, e reforçou argumentos das associações de juízes que defendem os penduricalhos.

Outro tema que é uma resposta do ministro a críticas feitas ao Supremo é a necessidade da colegialidade das decisões, em um tribunal conhecido pelas decisões individuais dos seus ministros.

O magistrado reforçou que dará prioridade na pauta a assuntos discutidos por todo o tribunal e defendeu a necessidade de reforçar votações que envolvam as turmas ou o plenário da corte.

“Realçando a colegialidade, aqui venho a fim de fomentar estabilidade institucional. O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas e confiança entre os Poderes. O tribunal tem o dever de garantir a ordem constitucional com equilíbrio.”

O novo presidente do STF também falou sobre o combate à corrupção no Brasil. Ao assumir a presidência, o ministro deixou a relatoria dos casos da Operação Lava Jato, que ficou sob sua responsabilidade a partir de 2017, após a morte do ministro Teori Zavascki em acidente aéreo.

Sem mencionar a Lava Jato diretamente, Fachin disse que o combate à corrupção “deve ser firme, constante e institucional”.

“O Judiciário não deve cruzar os braços diante da improbidade. Como fiz em todas as investigações que passaram pelo meu gabinete, os procedimentos foram dentro das normas legais, em atenção ao devido processo, à ampla defesa e ao contraditório.”

Conhecido pela atuação voltada no Supremo às minorias e a um Judiciário mais voltado a causas sociais, ele decidiu selecionar uma parte do discurso a esses grupos.

Pela primeira vez na história, ele colocou o defensor público-geral da União ao lado dos principais convidados do evento, como o presidente Lula, os chefes do Congresso, o presidente da OAB e o procurador-geral da República.

No tema social, Fachin mencionou proteções constitucionais às comunidades indígenas e seu direito a terras tradicionais. Ele foi o relator da ação que derrubou a tese do marco temporal das terras indígenas.

O magistrado ainda fez menções ao que classificou como “drama da justiça criminal” e citou o sistema carcerário brasileiro, marcado por superlotações e precariedades.

Defendeu que o Judiciário trabalhe para reduzir as “diferentes formas de desigualdade e discriminação” que “não atuam isoladamente, mas se cruzam e se reforçam mutuamente na vida das pessoas”.

Ao defender a igualdade de gênero, momento em que foi aplaudido pelos presentes, Fachin disse “as mulheres conhecem bem as dificuldades que uma sociedade ainda carimbada pela desigualdade de gênero lhes impõe”.

“Por isso mesmo, temos um encontro marcado com esse âmbito da igualdade e o Judiciário não se furtará a este dever”, afirmou Fachin no plenário do STF, que possui apenas uma ministra, Cármen Lúcia, dentre os 11 que compõem o colegiado.

Após o início da sessão, o novo presidente do STF fez o juramento de posse. A cerimônia aconteceu no plenário do Supremo.

Fachin fica na presidência do Supremo até setembro de 2027. O novo vice-presidente é o ministro Alexandre de Moraes, reeditando a dobradinha do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de 2022.

A posse de Fachin teve a presença de autoridades como os presidentes da República, Lula (PT), da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), além de governadores, ministros de outras cortes superiores, ministros do governo e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti.

Também estiveram presentes o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti.

Gaúcho de Rondinha (RS), Edson Fachin cursou direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná), onde também é professor titular de direito civil. Ele fez carreira no estado como advogado nas áreas de direito civil, agrário e imobiliário e procurador do Estado.

Fachin foi indicado ao Supremo por Dilma Rousseff (PT) em abril de 2015, para a vaga deixada por Joaquim Barbosa um ano antes.

O ministro tem indicado como uma das prioridades no Supremo a distensão das relações políticas em torno da corte, além do arrefecimento aos questionamentos sobre a atuação do tribunal.

A ideia da autocontenção do Judiciário tem sido um mantra repetido pelo ministro nos últimos meses, quando a corte esteve em embates com o Congresso Nacional, setores da advocacia e aliados de Jair Bolsonaro (PL) em meio ao julgamento da trama golpista.

O estilo discreto de Fachin é semelhante ao de Rosa Weber, que presidiu o tribunal por pouco mais de um ano, entre 2022 e 2023. O ministro não tem o hábito de conversar com jornalistas, concede poucas entrevistas à imprensa e costuma preferir manifestações nos autos processuais.

Um exemplo da discrição de Fachin é a recusa das ofertas de associações do meio jurídico para bancar uma festa em homenagem à posse dele, na noite de segunda. Avesso a extravagâncias, ele decidiu servir apenas água e café na solenidade.

Aprovado por 52 votos a 27 pelo Senado em 2015, Fachin foi o último nome de Dilma para o STF. Em tese, ela teria mais duas indicações, mas a aprovação da PEC da Bengala no Congresso postergou as aposentadorias de Marco Aurélio Mello e de Celso de Mello por cinco anos.

Fachin começou a estruturar seus planos para a presidência há alguns meses, organizando equipe, dinâmica de trabalho e a lista dos processos que pretende levar consigo. O catálogo de processos que Fachin decidiu manter sob seu comando mostra as prioridades do ministro para o novo ciclo.

O novo presidente terá em seu gabinete processos ligados à pauta trabalhista. O principal deles é o recurso especial sobre a “uberização”, que discute se há relação empregatícia entre os motoristas e os aplicativos.