RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O rapper Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o Oruam, deixou a prisão nesta segunda-feira (29), após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele estava na penitenciária Serrano Neves (conhecida como Bangu 3A), no Complexo de Gericinó, na zona oeste do Rio de Janeiro, desde o dia 22 de julho.
O artista estava preso preventivamente (sem prazo) em um processo no qual é réu por de tentativa de homicídio contra o delegado Moyses Santana Gomes e o oficial Alexandre Alves Ferraz, da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Ele passou 69 dias na prisão, e deixou o local usando uma máscara do Homem-Aranha.
A Secretaria de Administração Penitenciária do Rio informou que o alvará de soltura foi cumprido às 17h08 desta segunda-feira (29), por meio eletrônico, em cumprimento à determinação do STJ.
Por volta das 16h30, uma multidão já aguardava a saída do cantor em frente ao presídio de Bangu, na zona oeste do Rio. Oruam deixou a unidade a pé às 17h27, recebido sob festa por fãs. No local, estavam também os cantores MC Poze e Cabelinho. Em junho, quando Poze foi solto após cinco dias preso, Oruam também foi para a porta da penitenciária, que teve tumulto.
Após sair, o rapper entrou em um carro com teto solar, de onde acenou e falou com o público. Usando a máscara de Homem-Aranha, seguiu em comboio acompanhado por fãs até a casa de MC Poze, no Recreio dos Bandeirantes. Policiais acompanharam a movimentação e contiveram a multidão, que se aglomerava de forma acalorada.
O STJ concedeu na sexta-feira (26) uma liminar para revogar a prisão e substituí-la por medidas cautelares alternativas, entre elas comparecer a todos os atos do processo, manter residência no estado do Rio de Janeiro com endereço e telefone atualizados e não frequentar o Complexo do Alemão.
Em nota conjunta, os advogados de Oruam afirmaram que a decisão “restabelece a regra do processo penal: a liberdade”. Também alegam que a prisão foi ilegal, decretada “para atender a finalidades estranhas ao processo”.
“Nunca existiram evidências acerca de cometimento de crime e tampouco acerca da necessidade da prisão provisória. Mauro Davi [nome do rapper] se submeterá às medidas cautelares diversas a serem determinadas e, como vem fazendo, provará sua inocência no curso do processo”, afirmam os escritórios FHC Advogados, Nilo Batista & Advogados Associados e Gustavo Mascarenha & Vinícus Vasconcellos Advogados.
Na decisão do STJ, o relator do recurso em habeas corpus, ministro Joel Ilan Paciornik, afirmou que o decreto de prisão expedido pela 3ª Vara Criminal da capital fluminense se apoiou em “argumentos vagos”, sem comprovar concretamente risco de fuga ou de reiteração delitiva.
O magistrado ressaltou que Oruam é réu primário e se apresentou espontaneamente para o cumprimento do mandado de prisão, o que afasta a presunção de que houvesse intenção de fuga.
Paciornik também frisou que a gravidade do crime e o abalo social decorrente do caso não bastam, por si só, para justificar a medida extrema.
“A jurisprudência pacífica desta Corte Superior repudia a manutenção da prisão preventiva com base em fundamentação genérica, abstrata ou baseada em meras ilações”, escreveu o ministro.
O episódio que levou o rapper à prisão ocorreu em 21 de julho, quando policiais civis foram à casa do rapper, no Joá, zona oeste do Rio, cumprir um mandado de busca e apreensão contra um adolescente que estava no local e que estaria descumprindo medida socioeducativa.
Na ocasião, de acordo com a corporação, Oruam apareceu na varanda e teria incitado reação contra os agentes, arremessando pedras junto com outros homens. O delegado Moyses e o oficial Alexandre disseram ter sido atingidos durante a ação, que terminou em confronto.
Após o episódio, a Justiça Estadual decretou a prisão preventiva do rapper, que se entregou no dia seguinte.
A defesa, no entanto, contesta a versão da Polícia Civil. Advogados afirmam que não há provas de que o cantor tenha lançado pedras e sustentam que perícias foram inconclusivas em relação a uma suposta arma atribuída a ele.
Fernando Henrique Cardoso Neves, um dos advogados do cantor, diz que seu cliente é vítima de uma antiga perseguição por parte do delegado Moysés. Segundo ele, o policial usa uma incriminação grave, como o tráfico de drogas e associação para o tráfico contra o cantor, mas não apresenta qualquer prova disso.
“Essa perseguição começa pela própria concepção do Mauro, que é filho de um presidiário [o pai de Oruam é Marcinho VP, apontado como líder do Comando Vermelho, que cumpre pena desde 1996]. E qualquer outra pessoa no mundo com essa filiação acaba sofrendo os preconceitos próprios de uma sociedade cuja grande paixão é prender e fazer sofrer”, diz Neves.
No início deste ano, o delegado Moyses, que pertence à DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) do Rio de Janeiro, instaurou um inquérito sobre um suposto tiro com arma de fogo disparado por Oruam em São Paulo em dezembro de 2024.
A defesa de Oruam afirma que foi um “tiro pirotécnico” para uma peça publicitária e que o delegado não tem conexão de especialidade com esse tipo de crime, além de um equívoco de competência sobre o juízo de outro estado.
Os advogados questionam também a razão de agentes de uma delegacia de entorpecentes terem se envolvido em uma questão relacionada à quebra de medida socioeducativa, no caso do adolescente detido, que aproveitou a confusão para fugir naquele dia, mas acabou apreendido em 23 de setembro. Investigações da Polícia Civil apontam que o jovem é um dos principais ladrões de carros do Rio de Janeiro e também é segurança do traficante Edgar Alves de Andrade, o Doca, do Comando Vermelho.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro nega perseguição ao cantor. “Oruam responde a investigações fundamentadas em fatos concretos. A Justiça e o Ministério Público acolheram as denúncias e mantiveram a prisão, o que demonstra a solidez das provas.”
Questionada sobre quais são as suspeitas de tráfico de drogas e associação ao tráfico contra o músico, a polícia diz que as investigações “apontam indícios de que Oruam mantém vínculos com integrantes do Comando Vermelho, servindo como financiador e promotor da chamada narcocultura, que glamouriza o crime”.