SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lucas Marques Vilela, 28, o primeiro colocado nas questões objetivas do último exame para técnico federal de controle externo do TCU (Tribunal de Contas da União), pode ficar sem a vaga: o candidato concorreu a uma das vagas reservadas para cotas, mas não se apresentou à banca de heteroidentificação no último domingo (28).

Formado em engenharia aeroespacial, Vilela errou uma única das 120 questões das provas objetivas do concurso.

“O resultado preliminar vai sair dia 8 [de outubro], mas com certeza o Cebraspe [a entidade que organiza o concurso] vai me eliminar, eles são obrigados a seguir o edital”, diz.

Vilela afirma que pensou que, como ficou em primeiro lugar no certame, entraria como um candidato de ampla concorrência.

Pela nova lei das cotas, os candidatos que se declaram aptos a concorrer nas vagas reservadas podem ocupar uma vaga da ampla concorrência, caso a nota deles os qualifique para isso (a ideia é não “ocupar” a reserva, que vai mantê-la disponível a outros candidatos cotistas com notas mais baixas), mas mesmo assim eles precisam passar pela verificação complementar.

A banca de heteroidentificação aconteceu em Brasília, onde Vilela mora. Ele afirma que pensou que não seria preciso passar por essa etapa porque a nota dele o classifica pela ampla concorrência. Ele diz que vai procurar um advogado para tentar reverter a situação.

ENGENHARIA AEROESPACIAL

No fim de 2022, quando estava se formando em engenharia aeroespacial na UnB (Universidade de Brasília), Vilela apresentou um trabalho de conclusão de curso sobre uma tubeira para um foguete usado para colocar satélites muito pequenos na órbita de Marte.

Meses depois, em fevereiro de 2023, ele deixou o mundo da engenharia aeroespacial de lado e se matriculou em um cursinho preparatório para concursos públicos.

O exame para o TCU aconteceu em 3 de agosto deste ano. Ele errou uma única pergunta das 120 totais. Fez 118 pontos porque, pela regra, uma resposta errada anula uma correta.

Essa parte do exame pedia que os candidatos respondessem se as afirmações dos enunciados eram verdadeiras ou falsas.

A pergunta que Vilela errou trata de gestão contratual, mas, segundo o professor José Vicente de Mendonça, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), também envolve interpretação de texto.

Veja abaixo se você consegue responder.

“A matéria que errei na prova foi uma pedra no meu sapato, era uma instrução normativa, não tive contato [com esse tópico] antes da publicação do edital”, diz ele.

Vilela também não teve contato com temas de direito administrativo no curso de engenharia espacial da UnB.

Na região de Brasília, onde nasceu e estudou, não existem muitas empresas que contratam esses engenheiros. A demanda por essa mão de obra especializada se concentra no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo -além da Embraer, há um centro de engenharia e tecnologia da Boeing em São José dos Campos e uma unidade da Visiona Tecnologia Espacial.

Vilela até tentou entrar nesse mundo relativamente pequeno: ele se candidatou a uma vaga em um mestrado profissionalizante da Embraer. Segundo ele, geralmente quem sai desse mestrado costuma ser contratado pela companhia aeroespacial. O brasiliense passou na primeira fase, mas não na final.

Filho de um funcionário público, ele decidiu que seguiria carreira de servidor e que iria se preparar para prestar concurso, mas sem se afobar: o plano era se tornar um candidato competitivo em um prazo médio nos exames mais difíceis, mesmo sem um edital em vista.

Ele conta que, em fevereiro de 2023, começou a estudar em um cursinho preparatório e foi às aulas durante 1 ano e 3 meses. Quando chegava em casa, revisava o material visto em classe e fazia e repetia os exercícios.

Emendou um outro curso preparatório, esse para concursos de carreira de fiscal de controle. Dessa vez, as aulas eram à noite.

“Eu não quis abrir mão de praticar exercícios físicos, tinha uma rotina de meditação e alongamentos e tentava dormir sempre oito horas por dia”, afirma.

Vilela faz pequenos descansos entre longas jornadas de estudos: ele se concentra na leitura ou nos exercícios durante 25 minutos seguidos e, então, para por 5 minutos. A cada quatro sessões dessas, ele se permite 15 minutos para descansar.

Uma parte dos estudos era prestar concursos, ainda que não estivesse pronto para isso. No total, foram 13 até agora.

Alguns dos temas que aparecem no material preparatório para concurso ele já conhecia, como estatística e português, mas há muitas disciplinas novas, como direito e administração. Ainda assim, isso não foi um grande obstáculo, diz.

O cargo que ele disputou tem um salário de mais de R$ 15 mil. Antes de faltar à banca de heteroidentificação, ele afirmava que a ideia era esperar um edital para a carreira de auditor da mesma instituição, que tem vencimentos ainda maiores, porque estava “embalado” para continuar estudando.

O TCU afirmou em nota que, tecnicamente, o concurso para técnico federal de controle externo encontra-se em andamento.

O Cebraspe, que organizou o exame, também afirma que o concurso público ainda está em andamento, “atualmente na etapa de convocação para a avaliação biopsicossocial dos candidatos que solicitaram concorrer às vagas reservadas às pessoas com deficiência, bem como para o procedimento de heteroidentificação dos candidatos que se autodeclararam negros e para o desempate de notas na primeira etapa”.