(FOLHAPRESS) – Nos últimos 35 anos, poucas artistas venderam mais discos no mundo do que Mariah Carey. Ela está num grupo seletíssimo -com Madonna, Beyoncé, Whitney Houston, Rihanna- que dominou as paradas pop e tem vendagens na casa dos 200 milhões de álbuns.
Mas os últimos anos não foram felizes para Carey. Seus dois discos mais recentes, “Me. I am Mariah… The Elusive Chanteuse”, de 2014, e “Caution”, de 2018, não venderam quase nada, especialmente em comparação com álbuns marcantes como “Music Box”, de 1993, e “Daydream”, de 1995.
Claro que a indústria musical já não é mais a mesma, e a mídia física perdeu espaço para os streamings, mas os últimos trabalhos não foram bem sequer nas plataformas.
O que faz uma diva diante do desafio de recuperar a majestade perdida? Volta às origens, claro. “Here for It All”, 16º disco de estúdio de Mariah Carey e seu primeiro trabalho de inéditas em oito anos, tem um claro espírito “retrô”, com Carey abrindo mão de competir com as novidades musicais e se dedicando ao que sabe fazer de bom -baladas R&B que tratam de um único tema, a própria Mariah Carey.
A frase que abre o disco é emblemática: “Eu não me importo com muita coisa/ se não é sobre mim (…) eu sou a diva”, canta em “Mi”. Será uma declaração de princípios ou desabafo de uma artista em busca de relevância com as novas gerações?
Ao ouvir as 11 faixas do disco, a impressão é de que Mariah Carey não tem mais interesse em tentar ser o que não é. Seu público envelheceu, mas ainda é extremamente numeroso e apaixonado, e ela parece ter feito um disco não de olho em “trends” de Spotify, mas em celebrar sua própria história.
“Here for It All” traz influências nostálgicas de soul music, baladas de FM e discoteca, mas adornadas por uma produção contemporânea. Seguindo a recente mania de ter múltiplos colaboradores nas canções, a lista de compositores e letristas às vezes parece a escalação de um time de futebol, com até nove nomes reunidos numa mesma composição. Mesmo com esse método de criação por comitê, algumas faixas do disco se destacam.
Um exemplo é “Play This Song”, baladão soul num dueto com Anderson .Paak que não faria feio num bailinho em 1979 ou na programação de uma rádio FM de “easy listenting” e que sampleia a célebre faixa “Eric B. Is President” (1986), do duo hip hop Eric B. & Rakim.
Outra faixa de destaque é a divertida e dançante “Type Dangerous”, em que Carey encarna a diva glamourosa e blasé: “Eu entrei pela porta toda de ‘Balenci’/ casaco curto de couro e Fendis com saltos de nove polegadas/ a multidão se abriu e eu abri caminho/ eu preciso de espaço, mas vou assinar autógrafos”.
Se existe um tema predominante nas divagações autorreferentes do disco, é o tema da separação. Várias faixas de “Here for It All” tratam de amores perdidos. Alguns merecem versos tristes, com Carey se lamentando pelas chances desperdiçadas, mas outros receberam tratamento debochado. Em “Confetti and Champagne”, uma das melhores do disco, Carey, com voz rouca e sensual, desfere uma verdadeira paulada num ex: “Viva, viva, viva/ para mim, não para você, só para mim/ confete e champanhe”.
Outras canções que sobressaem no novo disco são um cover de “My Love”, megassucesso do Wings, banda que Paul McCartney montou depois do fim dos Beatles, e a doce “Nothing is Impossible”, com produção espartana, só a voz de Carey e teclados.
Mas para cada balada açucarada ou groove animado, o disco traz uma música que parece versão requentada de outra que Mariah Carey já gravou antes e bem melhor. “Sugar Sweet” e “In Your Feelings” são “mela-cuecas” pouco inspiradas. “I Won’t Allow It” tenta emular a animação do som da Motown, com direito até a um solo de baixo, mas não decola. “Jesus I Do”, com participação do grupo vocal The Clark Sisters, é um gospel genérico.
Entre acertos e erros, “Here for It All” passa raspando. Não vai marcar a carreira da cantora como um dos momentos mais brilhantes ou colocá-la a disputar o amor das novas gerações de fãs, mas é um disco bem feito e com alguns momentos que lembram por que Mariah Carey é uma diva do R&B.
HERE FOR IT ALL
Avaliação Bom
Autoria Mariah Carey
Gravadora Gamma
Onde ouvir Nas plataformas digitais