LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – A Assembleia da República deve examinar nesta terça-feira (30) a nova proposta do governo de Portugal para a chamada Lei dos Estrangeiros. O Executivo encaminhou o texto na semana passada. A versão anterior, aprovado pelo Legislativo lusitano em julho, foi vetada pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, depois de ser considerada parcialmente inconstitucional pela Justiça.

O documento reescrito pelo governo procura contornar os problemas apontados pelo Tribunal Constitucional. O mais importante dizia respeito ao reagrupamento familiar, que permite a um imigrante trazer cônjuges e filhos do país de origem. O texto inicial previa que um imigrante só poderia solicitar a vinda dos parentes próximos depois de dois anos residindo em Portugal com documentos devidamente regularizados. A Suprema Corte portuguesa considerou que tal dispositivo feria artigos constitucionais de defesa da família.

Segundo a nova versão, o imigrante pode solicitar o reagrupamento depois de um ano, não dois, desde que comprove pelo menos um ano de coabitação com o cônjuge no país de origem. Se o casal tiver sob sua guarda um filho menor de idade ou dado como incapaz, o imigrante ganha o direito do reagrupamento imediato.

Este segundo ponto pode contemplar o caso do advogado brasileiro Hugo Silvestre, cuja mulher foi deportada no dia 20 de agosto depois de ter sido detida no aeroporto de Lisboa. O caso dele foi discutido na reunião do Conselho de Ministros do governo português no dia 21 de agosto e pode ter influenciado a nova versão da lei. O pai ficou com os dois filhos em Portugal, enquanto a mãe teve que retornar para o Brasil. O caso até agora não teve um desfecho –um mês depois, a mãe segue separada dos filhos.

“No meu ponto de vista, o projeto segue sendo inconstitucional”, diz o advogado brasileiro Wilson Bicalho, especialista em imigração. “Mexer no tempo de residência, reduzindo de dois anos para um ano, não altera o direito das pessoas de ficar próximas de suas famílias.” A advogada brasileira Érica Acosta vê outro problema no novo projeto. “Como provar um ano de coabitação no país de origem? Cria-se mais uma exigência de documento, um contrato de aluguel ou de propriedade de um imóvel em nome de um casal.”

Para Acosta, no entanto, os pontos da nova lei que irão afetar mais os brasileiros já estavam no texto original e não foram questionados pelo Tribunal Constitucional. Até recentemente um brasileiro podia entrar em Portugal como turista e pedir documentação a posteriori -ou usando um dispositivo chamado Manifestação de Interesse ou solicitando uma autorização para cidadãos de países de língua portuguesa que poderia ser obtida por via digital.

De acordo com a advogada, o novo projeto dificulta enormemente que um imigrante consiga documentos depois de entrar no país. Por conta dessa legalização a posteriori, Portugal era visto como nação amigável a imigrantes, em comparação com outros países do continente. Se a nova Lei dos Estrangeiros for aprovada, Portugal irá se adequar às práticas recorrentes da União Europeia, que recomenda que só se admita a entrada de cidadãos com visto consular obtido no país de origem.

Fora algumas poucas exceções previstas na lei, quem quiser morar em Portugal terá que ter, por exemplo, um contrato prévio com uma empresa ou matrícula numa universidade do país –que habilitam aos dois vistos mais comuns, de trabalhador ou estudante. Há também um visto que possibilita a entrada no país para procurar emprego, mas que na nova lei será restrito a profissões que exigem “alta qualificação”, definidas numa lista prévia.

A nova Lei dos Estrangeiros chega à Assembleia da República às vésperas das eleições autárquicas, equivalentes ao pleito municipal no Brasil, previstas para o próximo dia 12 de outubro. “O ponto é qual força política conseguirá fazer mais pressão nesse momento, a direita que quer mostrar combatividade ou os que defendem leis mais brandas para a imigração”, diz o advogado Bicalho. A nova Lei dos Estrangeiros foi criada pelo governo do Partido Social Democrata, do premiê de centro-direita Luís Montenegro, mas as restrições à imigração são uma bandeira do Chega, sigla da ultradireita.