SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A magnetita presente no bico de certos pássaros pode atraí-los para o centro da Terra. Pelo menos é essa a hipótese de “Cálculo para Beijar o Magma”, exposição da mineira Luana Vitra. Natural de Contagem, no interior do estado, a artista cresceu em territórios tomados pela mineração, e suas obras trocam o trabalho bruto pela relação romântica com a natureza.

Nasce daí o beijo que intitula a mostra em cartaz na galeria Mitre, em São Paulo, e sintetiza os principais aspectos de seu trabalho. Um exemplo são as esculturas que misturam metais de diferentes tipos. Outro são as colagens com rótulos de passarinho presentes em caixas de waji, pigmento azul ligado à espiritualidade. As colagens representam o relevo de montanhas, sempre sujeitos à ação do homem.

“Procuro tirar a humanidade do centro e dar espaço às relações entre os próprios metais. Gosto de imaginar como tudo se conecta. A exposição tem como foco as afetividades que acontecem no campo da matéria, no campo físico, químico, quântico. Me interessa pensar como o mundo se movimenta a partir de forças que não sejam necessariamente as nossas”, diz Vitra, que descreve as suas obras como equações.

Do centro do salão, quatro flechas de ferro, revestidas em cobre, se projetam em direção ao teto. Elas convergem para um ponto onde se encontra um passarinho feito de prata. No chão, outro pássaro prateado representa um espécime morto. Ele está estirado sobre uma rocha, e embaixo dela se espalham grãos de waji.

Ao alinhar a vida e a morte, a escultura flerta com a ideia do corpo que volta à terra. A obra resgata parte de “Pulmão da Mina”, instalação que a artista mostrou na Bienal de São Paulo em 2023.

“Os pássaros eram levados para dentro das minas. Se vazava um gás tóxico, eles morriam primeiro e os mineradores conseguiam escapar. Ao criar uma equação, não vejo o pássaro como elemento figurativo. Vejo ele como elemento da tabela periódica. Por isso eles são feitos de prata e metal. Na busca por comunicação, faz sentido que sejam feitos dos metais mais condutivos que existem.”

Numa série dividida em três peças, aves metálicas estão em pedras terrosas. As flechas da vez passam por dentro das rochas e guiam o olhar dos bichos inanimados. É uma forma de reforçar a suposta atração entre os animais alados e o núcleo da Terra, responsável pelo campo magnético de todo o planeta.

Fora o magnetismo entre seres vivos e materiais metálicos, a exposição também explora aproximações entre metais em estados distintos. É o caso das placas quadriculadas de ferro, brilhosas em algumas partes e enferrujadas em outras —temporalidades diferentes se encontram numa mesma peça.

É parecido com o mosaico em que Vitra reúne caixinhas de waji. Do azul vibrante de embalagens novas àquelas com cores desbotadas, elas traçam colunas que se estendem até uma base enferrujada. O resultado é um tipo de linha do tempo, que evidencia outra relação entre o céu e a terra.

“Sinto que o ferro é um elemento semelhante ao corpo negro, porque ambos desempenham papéis muito próximos. Os dois estruturam a sociedade. Seja o colonialismo, seja a indústria, existem forças negativas que os retiram da terra e os transformam noutra coisa. Para mim, quando o ferro oxida, ele expressa o desejo de retornar ao início”, afirma a artista.

Autora do texto crítico da exposição, Ariana Nula, por sua vez, traça um paralelo entre o ferro material e aquele presente na hemoglobina, responsável por transportar oxigênio pelo corpo humano.

Penduradas em linhas de cobre, pedras de lápis-lazúli, comumente associadas à noção de espiritualidade, ocupam uma parede. Enquanto algumas ameaçam se encostar, outras aparecem em extremidades opostas. A ideia é simular uma espécie de dança e desenhar conexões entre as rochas azuladas.

“A maneira como penso as minhas exposições é sempre instalativa, onde todas as coisas criam jogos de forças e ganham sentido ao estabelecer relações com o outro”, diz Vitra. “Eu fui bailarina antes de me tornar artista visual. Quando componho uma obra, tento coreografar também o corpo que a vê.”

CÁLCULO PARA BEIJAR O MAGMA

– Quando Seg. à sex., das 10h às 19h; Sáb., das 10h às 16h

– Onde Mitre Galeria – r. da Consolação, 2761, São Paulo

– Preço Grátis