RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Movido a soja e algodão, o município baiano de São Desidério (a cerca de 900 km de Salvador) tem destaque entre os principais polos da agricultura brasileira fora dos estados da região Centro-Oeste.
Em 2024, a cidade registrou o segundo maior valor de produção agrícola do país pelo terceiro ano consecutivo. A receita local foi de R$ 6,6 bilhões, atrás apenas da verificada em Sorriso (R$ 7,2 bilhões), em Mato Grosso.
Os dados integram a pesquisa PAM (Produção Agrícola Municipal), divulgada neste mês pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Com quase 35 mil habitantes em 2025, São Desidério fica no oeste da Bahia, na região do Matopiba, que teve forte expansão da agricultura a partir dos anos 1980. Isso ajuda a explicar o desempenho do setor na cidade, segundo o IBGE.
O Matopiba é composto por municípios do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia. O nome une as siglas dos quatro estados (MA, TO, PI e BA).
São Desidério, por outro lado, também chama a atenção em um ranking de desmatamento do projeto MapBiomas.
Em 2024, a área desmatada no município (18 mil hectares) caiu 54,9% ante 2023 (40,1 mil hectares), mas foi a maior do país pelo segundo ano consecutivo.
O MapBiomas publica registros de perda de vegetação nativa, mas não detalha quantos atos são ilegais e quantos eventualmente receberam autorização de órgãos públicos.
A reportagem pediu entrevista e também enviou perguntas por email para a prefeitura de São Desidério sobre os dados de produção agrícola e desmatamento, mas não teve retorno.
Em território, o município é o segundo maior da Bahia, atrás de Formosa do Rio Preto, que também fica no oeste do estado.
Formosa do Rio Preto, aliás, é a outra cidade baiana entre as dez primeiras do país em valor obtido com a produção agrícola. A atividade local gerou R$ 4,9 bilhões em 2024. Foi o sexto maior patamar do Brasil, conforme o IBGE.
DESEMBARQUE DE PRODUTORES IMPULSIONA AGRICULTURA
Criado em 1962, o município de São Desidério vivia da agricultura de subsistência, na qual “pouco se produzia”, aponta histórico disponível no site da prefeitura. O comércio praticamente inexistia, e uma das dificuldades iniciais era a falta de energia elétrica.
A cidade ganhou impulso a partir de 1985 com a chegada de investidores do Paraná, do Rio Grande do Sul e de São Paulo, indica a mesma publicação.
Ainda de acordo com a prefeitura, os grupos foram atraídos por preços acessíveis de terras, mercado externo da soja, facilidade de manejo do cerrado e riqueza hídrica.
Em seu site, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) aponta que a topografia plana e o baixo custo das terras levaram produtores para o Matopiba no passado.
“A expansão aconteceu sobre áreas de cerrado, especialmente pastagens subutilizadas, e só foi possível pela disponibilidade de tecnologias para viabilizar os plantios nas condições locais”, afirma.
No início da série histórica do IBGE, em 1974, o valor da produção agrícola de São Desidério ficava abaixo do registrado em 3.324 municípios brasileiros.
O quadro se alterou nas décadas seguintes. A cidade mostrou crescimento e, desde 1997, frequenta as dez primeiras posições do ranking de forma ininterrupta.
De lá para cá, chegou a ficar em primeiro lugar -a última vez que isso aconteceu foi em 2018. Nos últimos três anos (2022, 2023 e 2024), ocupou o segundo posto, atrás de Sorriso (MT).
“O oeste da Bahia é uma região extremamente tecnificada. Tem investido em ciência e inovação na produção, especialmente de soja, milho e algodão”, afirma Humberto Miranda, presidente da Faeb (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia).
Na visão dele, o clima “estável”, com períodos chuvosos que costumam ser “bem definidos”, e a topografia plana, que facilita a mecanização da agricultura, também explicam os números. “Temos quantidade e qualidade.”
Segundo levantamento da Embrapa divulgado em dezembro, o extremo oeste da Bahia assumiu o posto de principal polo de irrigação por meio do sistema de pivôs centrais no Brasil, ultrapassando o noroeste de Minas Gerais.
São Desidério é o município com a maior área irrigada do país, aponta o mesmo estudo, que reúne dados até outubro de 2024.
O gerente de agronegócios da Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia), Aloísio Júnior, diz que há uma pressão menor hoje por abertura de áreas agrícolas no oeste do estado.
Isso, segundo ele, ocorre devido aos ganhos de produtividade das lavouras. O quadro, aponta, reflete investimentos em tecnologia, pesquisa e boas práticas de cultivo.
SOJA RESPONDE POR 56% DO VALOR DA PRODUÇÃO
Do total de R$ 6,6 bilhões obtidos por São Desidério com a produção agrícola em 2024, uma fatia de 56% (mais da metade) veio da soja, o equivalente a R$ 3,7 bilhões.
Foi o maior valor gerado pelo grão em uma cidade brasileira no ano passado, conforme o IBGE. A cifra, contudo, diminuiu 12,1% ante 2023 (R$ 4,2 bilhões), sob impacto dos preços mais baixos das commodities.
Em 2024, a área plantada, a quantidade produzida e o rendimento médio (produtividade) da soja foram os maiores da série histórica em São Desidério.
Em receita, o segundo principal cultivo do município foi o algodão. Respondeu por 36,1% do valor da produção local no ano passado. A cifra foi de R$ 2,4 bilhões, atrás apenas de Sapezal (MT) -R$ 3,6 bilhões.