SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – “Difícil”, “totalitária”, “controladora” e “linha dura”. São muitos os adjetivos usados por moradores do histórico Edifício JK, projetado por Oscar Niemeyer e tombado como patrimônio cultural de Belo Horizonte, para descrever a ex-síndica Maria das Graças Lima, de 78 anos. Com nova eleição marcada para nesta terça-feira (30), moradores se movimentam para mudar cenário.

No poder por 40 anos, ela ficou conhecida por impor regras incomuns. A maioria delas, dizem alguns moradores, eram “arbitrárias”, “inúteis”, “bastante rígidas” e “quase impossíveis de serem cumpridas”.

Morador do JK há 34 anos, o publicitário e tatuador Marco Antônio de Oliveira, foi obrigado a transitar carregando os pets no colo desde o início do ano. “Eles me notificaram extrajudicialmente, mas me fizeram pagar a notificação, que ficou em quase R$ 200, o que foi praticamente uma multa. Eu fui questionar, e disseram que regra mudou em assembleia, mas que eu deveria buscar a ata no cartório”, conta.

O morador, então, acionou a Justiça, mas ninguém apareceu na audiência de conciliação e, logo após o afastamento da síndica, a medida foi revogada. “Agora, pouco antes da assembleia e nova eleição, consciente de que está fazendo coisa errada, para melhorar a imagem, revogaram a regra”, finaliza. Anos antes, em 2017, caso semelhante gerou notificações extrajudiciais e até uma representação junto à polícia, o que acabou com o relaxamento da medida também.

Em outro momento, a síndica passou a exigir que o condomínio fosse pago em notas de dinheiro. Na época, uma moradora pagou a taxa de R$ 1.600 em moedas. O caso ganhou repercussão nas redes sociais e no noticiário, e, então, os boletos voltaram a ser emitidos.

O UOL entrevistou cinco moradores, que não quiseram se identificar, e acompanhou durante meses as conversas dos condôminos em aplicativos de mensagens. No grupo havia sempre menções à síndica polêmica e demais pessoas da administração.

Internada desde agosto, a síndica foi afastada por questões de saúde. A administração e o advogado dela não informaram o motivo, mas disseram que Maria Lima das Graças “não tem perspectiva de melhora”.

A saída dela e o agendamento de uma audiência para nova eleição, fez os condôminos se movimentarem para tentar mudar a gestão. Isso porque, momentaneamente, a mulher foi substituída pelo subsíndico Manoel Freitas, que há 21 anos é gerente do JK. nesta terça-feira (30), às 10h, moradores vão se reunir para mais uma assembleia.

TEMOR COM ELEIÇÃO

O histórico de eleições no Conjunto JK é conturbado, incluindo polêmicas com procurações e novas regras a cada reunião. O Conjunto JK é composto por dois prédios, de 23 e 36 andares, e mais de mil apartamentos. A administração fala em 5.000 moradores, mas condôminos dizem que esse número, na verdade, não passa de mil, e que dados da síndica são baseados nos cadastros da portaria, que incluem visitantes frequentes, para “justificar a dificuldade em administrar”.

Em 2020, durante assembleia, foi estabelecida uma taxa de R$ 4 milhões para a inscrição de chapas concorrentes no próximo pleito. Segundo a administração, a decisão foi aprovada para evitar a contratação de “síndicos profissionais”. O regimento interno ao qual o UOL teve acesso, porém, prevê que o síndico pode ser “condômino ou não, pessoa física ou jurídica” e terá “mandato por dois anos, podendo ser reeleito”. A remuneração mensal é de oito salários mínimos regionais.

Naquela ocasião, síndica foi eleita para o mandato de 2020/2021 e moradores acionaram a Justiça. Intenção era anular a sessão “principalmente com relação à caução” de R$ 4 milhões. Acontece que o processo se estendeu e, em 2023, juíza entendeu que mandato já havia vencido e não atendeu aos pedidos. Eles não recorreram da decisão e processo foi arquivado.

No entanto, ataques e perseguições da síndica e da administração continuaram e levaram a novos processos. Um dos envolvidos na chapa de oposição, que não quis se identificar, diz que sofreu difamações, foi alvo de ataques e assédio processual. O UOL teve acesso ao processo no qual narra, ainda, ter sido interpelada judicialmente 66 vezes por aliados de Maria das Graças. Neste caso, que já transitou em julgado, a síndica teve que pagar indenização.

”Horário comercial e em cima da hora para diminuir as presenças”. Os moradores críticos da administração alegam que a administração tenta dificultar a participação, coleciona procurações e não permite o acompanhamento da contagem dos votos. “Não deixam absolutamente ninguém da oposição chegar perto. Eles mesmos fazem a conferência”, diz um morador. “Inclusive, o padrão é o advogado dizer que não vai sequer ouvir os votos dos presentes, porque o número de procurações supera os presentes.”

“E essas procurações são moeda de troca. Se você não dá uma procuração para eles, você é inimigo. Então essas pessoas têm medo disso, entendeu? De virar inimigo e ser retalhado, como eu fui”, disse Marco Antônio de Oliveira, morador do JK há 34 anos.

Advogado da administração, Ercio Quaresma rebate dizendo que condôminos nunca procuraram “contestar a idoneidade das procurações”. “Eles não fazem isso, porque não há regularidade nenhuma. Agora, as procurações não precisam ultrapassar o número de presentes, elas têm requisitos referentes às unidades”, diz.

“Se ela foi reeleita tantas vezes, certamente tinha seus serviços reconhecidos pela maioria. A oposição, por mera ambição, mas sem votos, se insurgia contra as seguidas reeleições. Mas, o Estatuto do Condomínio permite a recondução. Argumentos vazios de ‘autoritarismo’ não retiram seus méritos como gestora”, disse Faiçal Assray, advogado de Maria das Graças.

O UOL procurou Manoel Freitas, atual subsíndico, que afirmou ser candidato. “Quanto ao modo de gerir, vai ser totalmente diferente. Obviamente vou aproveitar as coisas boas da antiga gestão e implementar o que acho correto dentro da minha experiência”, disse.

POLÊMICAS ANTIGAS

A gestão já foi questionada inclusive em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em 2004 e 2005. Primeiro, Comissão de Direitos Humanos ouviu depoimentos de moradores sobre irregularidades na administração, perseguições, entre outros temas. Depois, a Comissão de Segurança Pública realizou audiência para discutir e buscar soluções para os conflitos existentes no condomínio, conforme registro no site da ALMG.

Mais recentemente, o Ministério Público do estado passou a investigar a síndica por omissão, crimes contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural. MP-MG aponta também que falta o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros. O prédio foi tombado em 2022.

“Além de prejuízos ao acervo, ao patrimônio protegido e à estética do imóvel, há comprometimento da qualidade ambiental do espaço pois a presença constante de umidade causa bolor, mofo e fungos, podendo causar problemas de saúde nos funcionários e frequentadores do local”, disse parecer técnico sobre a sede do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, localizado no térreo do JK.

Uma audiência que poderia afastar a atual administração foi marcada para o próximo dia 7 de outubro. O MP-MG cita que a conduta da administração levou à deterioração de bem tombado, com omissão de medidas de conservação de relevante interesse ambiental e cultural, e pediu afastamento da síndica e do gerente do edifício, que foi negado pela Justiça.