BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A cachaça está sumindo nas terras do bourbon. Impactados pelo tarifaço de 50% imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, produtores do destilado brasileiro relatam paralisação nas vendas, cancelamento de pedidos de importadores e interrupção nas negociações com os americanos.
O baque nas vendas externas compromete o desempenho de um mercado que tinha se consolidado como o mais estratégico para a cachaça fora do Brasil. Em volume, os Estados Unidos são o terceiro maior importador de aguardente brasileiro em todo o mundo, só atrás do Paraguai e da Alemanha.
No critério do preço pago por litro, porém, os americanos estão no topo do ranking. As vendas para os EUA têm valor 96% superior à média global, pelo fato de pagarem mais caro por produtos de maior qualidade. Isso faz daquele mercado o mais lucrativo para os exportadores brasileiros, conforme os dados do Ibrac (Instituto Brasileiro da Cachaça).
Katia Alves Espírito Santo, proprietária e produtora da Cachaça da Quinta, empresa centenária fundada por seu avô em 1923 no município de Carmo (RJ), relata o momento de apreensão, já que tem 50% de sua produção comprada por importadores dos Estados Unidos.
“Somos uma empresa de pequeno porte, voltada para um produto premium. Tem sido um impacto violento, porque afeta completamente a operação”, diz a empresária.
A sua Cachaça da Quinta, nome que faz referência ao nome da fazenda onde o destilado é produzido e envasado, sai do Brasil em contêineres de navios e chega aos Estados Unidos com o nome de Avuá, marca usada pelo importador americano.
“Meu medo é perder um trabalho que começou a ser feito há mais de dez anos. Tivemos de reduzir a produção, porque muitos pedidos pararam. Ainda não sei como vai ficar.”
A situação dos produtores de cachaça já foi comunicada ao Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), que analisa possíveis medidas para apoiar as empresas do setor, por meio de sua Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cachaça.
Em 2024, os EUA importaram 824 mil litros, movimentando cerca de US$ 3,6 milhões. É uma pequena fração, se comparado ao que o setor produz e movimenta, mas que mexe com as operações de muitas empresas, já que se trata de um mercado formado, em grande parte, por pequenos produtores.
O setor da cachaça no Brasil reúne mais de 1.200 produtores registrados no Mapa, responsáveis por 7.223 marcas e uma produção anual que, segundo as empresas, chega a cerca de 800 milhões de litros. A atividade gera mais de 600 mil empregos diretos e indiretos, em sua maioria em micro e pequenas empresas localizadas em áreas rurais.
“O anúncio da sobretaxa já tem causado consequências imediatas e severas para as empresas exportadoras, porque qualquer alteração nas condições de acesso coloca a cachaça em condição de competição desigual com outras bebidas alcoólicas já consolidadas no mercado americano”, diz o diretor-executivo do Ibrac, Carlos Eduardo Cabral de Lima.
O Ibrac estima que a sobretaxa sobre a cachaça deve reduzir o faturamento com as exportações em 12%, enquanto o volume vendido aos americanos tende a cair, ao menos, 6%.
Como tem ocorrido com qualquer setor produtivo impactado pelas tarifas, o segmento da cachaça espera que os sinais de abertura de diálogo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump criem espaço para que as negociações avancem.
“A baixa competitividade diante de outros destilados significa, no médio prazo, a exclusão da cachaça do mercado americano. O que está em jogo é a sustentabilidade de milhares de pequenos produtores”, diz Lima.
Para conter o estrago financeiro, a produtora da Cachaça da Quinta diz que recorreu ao crédito do Programa Brasil Soberano, medida emergencial anunciada em 13 de agosto, para apoiar empresas exportadoras que foram afetadas pelas tarifas dos EUA.
O programa conta com R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE), mais R$ 10 bilhões do BNDES, totalizando R$ 40 bilhões. A linha emergencial atende a necessidades como capital de giro e investimentos para adaptação do negócio. A taxa fixa é de até 0,66% ao mês.
“É um socorro do governo, que já dá um alento, enquanto essa situação não se resolve de forma definitiva”, diz Katia.
Diferentemente do que ocorre com outros setores, que conseguem direcionar mais facilmente a sua produção para outros destinos, a cachaça tem boa parte de seu consumo atrelada a fatores como hábitos culturais, o que demanda tempo para ser construído.
Segundo Carlos Eduardo Cabral de Lima, do Ibrac, a liderança das importações em volume ocupada pelo Paraguai se deve a fatores como a proximidade logística e cultural com o Brasil. Já a Alemanha é marcada pelo hábito histórico de consumo de destilados. O interesse internacional pela cachaça brasileira também está diretamente associado ao sucesso da caipirinha.