PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – O impacto é inevitável em quem entra numa das últimas salas da mostra “Lygia Pape – Tecer o Espaço”, na Bourse de Commerce de Paris. Os fios de cobre esticados da instalação “Tteia 1,C”, que lembram raios de sol penetrando uma floresta densa, encontram ali o espaço perfeito, na maior exposição já dedicada na França à artista brasileira, morta em 2004.

Em suas variantes, as “Tteias”, um trocadilho com teias e teteias, sempre deslumbram por onde passam -como o Paço Imperial, no Rio de Janeiro, o Metropolitan, em Nova York, ou a Punta della Dogana, em Veneza -ou onde ficam- como a “Tteia” permanente da galeria em Inhotim dedicada à artista.

A que ficará exposta até janeiro em Paris pertence à Coleção Pinault, um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do mundo, reunido por François Pinault, a nona maior fortuna da França segundo o ranking da revista Challenges, com cerca de EUR 15 bilhões, ou R$ 94 bilhões.

O interesse pela obra de Pape é evidência de um prestígio internacional cada vez maior, a dois anos da comemoração do centenário de seu nascimento. “Isto aqui está sendo uma coroação”, diz Paula Pape, filha de Lygia, fundadora e presidente do projeto que leva o nome da mãe.

“Fico tão emocionada por isso existir. É tão complexa a iluminação da Tteia”, diz Emma Lavigne, comissária da exposição, ao lado de Alexandra Bordes. “Colocamos bancos para que [a sala] vire um espaço de contemplação, onde as pessoas possam se conectar com essa obra-prima de Lygia.”

Para Lavigne, diretora-geral e conservadora da Coleção Pinault, a mostra inaugurada no último dia 10 é um projeto de longa data. Ela havia falado dele à Folha de S.Paulo pela primeira vez no ano passado, durante a Art Basel Paris. “Tenho uma história muito forte com o Brasil”, conta Lavigne, que cuidou da aquisição de várias obras de artistas latino-americanos nos seis anos que passou no Pompidou, o famoso centro cultural da capital francesa.

Embora não tenha sido pensada como uma retrospectiva, “Tecer o Espaço”, um dos principais acontecimentos do calendário cultural do Ano do Brasil na França, inclui obras icônicas da trajetória de Pape, testemunho de sua rara versatilidade.

Estão lá, por exemplo, “Ovo” (1967), filme de uma instalação em que o visitante simula o próprio parto; “Livro da Criação” (1959), história abstrata do mundo narrada em 16 páginas de guache sobre cartão; ou o monumental “Livro Noite e Dia III” (1963-76), figuras geométricas em madeira que dominam a maior sala da exposição.

A cenografia da mostra cria um percurso com dois espaços bem distintos -o diurno e o noturno. É uma forma, segundo Lavigne, de ressaltar a importância, para Pape, de manter suas obras sempre abertas para a natureza e o ciclo noite e dia. Separando os dois espaços, há uma pequena sala com os “Tecelares” (1955-1959), gravuras em madeira onde a artista trabalha com a ideia de tessitura que permeia e dá o título à exposição.

Na semana passada, foi apresentado do lado de fora da Bourse de Commerce outro clássico de Pape, a performance “Divisor” (1968). Nela, centenas de pessoas vestem um imenso lençol branco com furos para as cabeças, metáfora poderosa da cidadania, criada em meio a um dos piores momentos da ditadura militar brasileira.

O auditório da Bourse exibe ainda um filme do hipnótico “Ballet Neoconcreto I”, criado por Pape e Reynaldo Jardim, que causou furor no Rio de Janeiro no final dos anos 1950. Os bailarinos são cilindros e paralelepípedos coloridos que se deslocam lentamente no palco, ao som de uma obra do compositor concreto francês Pierre Henry. Lavigne conta que gostaria de encenar o balé ao vivo, o que não foi possível por limitações de espaço.

“O espaço do palco se transforma em planos bidimensionais que se interpenetram e se isolam pelo próprio desenvolver da coreografia em ritmos alternados”, afirmou a própria Lygia Pape em artigo de 1959 no Jornal do Brasil.

Era nas páginas do jornal carioca, então recém-modernizado pelo design do artista mineiro Amílcar de Castro, que se manifestavam os expoentes do movimento neoconcreto -além de Pape e do próprio Amílcar, Lygia Clark na pintura, Ferreira Gullar na poesia e Franz Weissmann na escultura.

A exposição de Pape é o prelúdio de outra mostra na Bourse de Commerce: “Minimal”, que será inaugurada em 8 de outubro. Ela reunirá centenas de obras do movimento minimalista desde os anos 1960, do próprio acervo e emprestadas por coleções públicas e privadas. O Brasil estará representado por Pape e Hélio Oiticica.

LYGIA PAPE. TISSER L’ESPACE

Quando Até 26 de janeiro de 2026. Qua. a seg., das 11h às 19h

Onde Bourse de Commerce – 2 Rue de Viarmes, Paris

Preço € 9 (R$ 48) até 6/10; depois, € 18 (R$ 95)

Link https://www.pinaultcollection.com/en